Sites de agências “filtram” domésticas por cor e peso

Agências de contratação de empregados domésticos ajudam patroas a selecionar com base na cor ou “desejo de ter filhos”. Em uma delas, basta dizer se tem ou não “preconceito

Na página para se contratar uma empregada doméstica do site Lar & Cia (retirado do ar hoje), de Sorocaba, no interior de São Paulo, os patrões podem preencher os requisitos que esperam da contratada. E podem dizer, logo ali, se têm “preconceito de cor”. As respostas possíveis são “sim (tenho preconceito)” e “não (não tenho preconceito)”.

Por conta do que os representantes da empresa chamaram de “erro humano”, os contratantes tinham a opção explícita de se declararem preconceituosos e, a partir de então, teriam a possibilidade de selecionar apenas candidatos da cor desejada para o emprego.

Segundo a Lar & Cia, a empresa “não tem preconceito”, por isso o “site foi retirado do ar” na tarde desta segunda-feira.

“Isso é inadmissível”, diz o advogado Estevão Mallet, professor de Direito Trabalhista da Universidade de São Paulo. “A constituição proíbe qualquer discriminação por causa de raça ou cor da pele”, defende.

Mas não é só o critério de raça que é utilizado por empresas de contratação de empregados domésticos. Para se candidatar ao serviço por outro site, o Do Lar, os interessados em conseguir trabalho precisam fazer download de uma ficha de cadastro na qual têm de responder uma série de perguntas de cunho pessoal.

A prática de selecionar “perfis específicos” é comum no mercado do trabalho doméstico, mas costuma ser mais velada. Dentre os dez sites de agências visitados pela reportagem, apenas os dois citados tinham documentado por escrito alguma forma de “filtro” na internet.

Em outros sites, como o Casa e Café, as candidatas que cadastrassem uma foto ganham status de “VIP” e têm vantagens, já que seus currículos aparecem no topo das buscas.

O mais comum, porém, é que os sites não façam objeções aos preconceitos de quem contrata.

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EXAME.com ligou para outras agências, requisitando o serviço de diarista. O critério de idade foi disponibilizado pelas próprias agências, que perguntavam qual “faixa etária” era procurada.

Quando a reportagem pediu que apenas candidatas brancas fossem consideradas, nenhuma agência se opôs.

“Isso é errado. Eles não podem considerar apenas candidatas brancas de jeito nenhum”, afirma o professor Mallet. De acordo com ele, o correto, por lei, seria que as agências afirmassem que “o critério requisitado não pode ser usado para seleção de candidatas”.

Outro lado

O site Lar & Cia, que perguntava às patroas se elas tinham “preconceito de cor”, já está fora do ar. A reportagem entrou em contato com os administradores do site, que afirmaram que a pergunta foi um “erro, um engano humano. Igual você escrever alguma coisa com “ç” e era com “s”. Não temos preconceito e não temos mais declarações. Foi um erro”, disse a representante do site, que não se identificou.

Para Thalita Rodrigues, presidente do Do Lar, as perguntas sobre a gravidez e desejo de maternidade das candidatas são importantes. “Nós estamos falando da vida prática. Hoje quem tem uma empregada doméstica em casa? A mulher que trabalha fora. E aí de repente ela contrata uma moça que está grávida, vai trabalhar na casa dela 5, 6 meses, depois vai ser afastada e só volta daqui não sei quanto tempo”, diz.

Segundo ela, as informações pedidas fazem parte do “direito de saber quem você está contratando. É uma questão de boa fé. E para colocar dentro de casa, ainda. As empresas não fazem exame admissional?”, questiona.

Além de informações como “mora com o companheiro?”, peso e idade, a candidata é questionada sobre sua intenção de ser mãe. O questionário começa com “tem filho?”, “quantos?” e “idade dos filhos” e passa para “se não tem filho, pretende ter?”, “em quanto tempo?” e “se não pretende ter filhos, por quê?”.

Depois de outras perguntas, o tema da maternidade volta: “tem chances de estar grávida?”

Tudo feito de maneira ilegal, segundo Estevão Mallet. “Não pode haver qualquer discriminação não só na hora de contratar, mas na hora de filtrar e selecionar currículos, também, porque isso já significa afastar as pessoas”, explica.

“Não interessa se o patrão tem ‘preferências’, eles não podem divulgar cor, idade, nada disso. Estão sujeitos a medidas judiciais”, completa o professor.

O mesmo vale para “dados irrelevantes”, ou seja, tudo aquilo que não se relaciona com a aptidão da pessoa para fazer determinado trabalho. No caso do trabalho doméstico, isso inclui peso, altura e alguns dos questionamentos de saúde encontrados, na avaliação do professor da USP.

Sobre gestação, ele diz que “é claramente proibido perguntar se (uma mulher) está grávida. A lei proíbe para evitar que se discrimine pessoas que em breve vão sair de licença maternidade”, diz.

Já a presidente da agência de contratação Do Lar, a advogada Thalita Rodrigues, afirma que o filtro é necessário por uma demanda de quem contrata.

“O meu cliente me manda um pedido limitando a contratação a uma determinada idade, peso, experiência profissional. Então eu tenho que, dentro dos currículos que eu cadastro, ter essas informações para criar esse perfil”, diz. “Faço um trabalho de pré-seleção”, explica Thalita.

Fonte: Exame

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