Quando eu tinha 14 anos, eu e um amigo meu de escola fomos ao Shopping Center Ibirapuera para procurar emprego. Estávamos, para nossos padrões, com a nossa melhor roupa. Claro que a nossa ida ao shopping não era motivada apenas pela necessidade de emprego, mas também tínhamos intenção de passar por lá – fazer um “rolezinho”. O Shopping Ibirapuera era, para nós, um lugar sofisticado, que a gente reservava para fazer os passeios mais “chiques” – não comprávamos absolutamente nada (até porque grana não havia), no limite íamos ao cinema quando dava ou comíamos um lanchinho.
Era uma sexta feira, final da tarde, quando de repente um barulho denunciava que alguém tinha soltado alguma bombinha (destas de festas juninas) dentro do shopping. Uma mulher aparentando uns 30 anos nos viu e cochichou ao vigilante. Atônitos, eu e meu colega fomos agarrados – um em cada mão – pelo brutamontes que nos carregou até a sala da vigilância, sem deixar de nos dar tapas na orelha. Lá na sala, disse que a gente estava soltando bombinhas no shopping. Meu colega, assustado, chorou e jurou que não éramos nós, que estávamos apenas procurando emprego nas lojas. O chefe da segurança, usando toda a sua força de “otoridade”, aos berros, mandou-o ficar quieto, enquanto que o vigilante me desferiu um murro no peito que me fez cair sentado em um sofá. Bem, as coisas rolaram um tempo, o chefe da segurança pegou nossos documentos, fez um relato de ocorrência e fomos “convidados” a se retirar do shopping. Um terceiro amigo que estava com a gente e não foi levado, nos esperava lá fora e fomos embora.
Fiquei quase 20 anos sem entrar neste shopping. Neste período, aquele menino que foi fichado como delinquente por estourar bombas no shopping Ibirapuera, formou-se jornalista e é professor da USP. Este meu amigo que estava comigo perdi o contato, mas tive informações que ele se formou em comércio exterior, casou-se e está morando em Campinas com a família. Não sei do infeliz vigilante que “cumprindo ordens” praticou tal ato de agressão e discriminação (e provavelmente muitos outros), mas talvez esteja sobrevivendo da aposentadoria do INSS de 2 ou 3 salários mínimos que é a miséria que estes trabalhadores recebem. E o chefe que dizia aos berros que era uma pessoa que usava a “inteligência e não a violência” não deve estar muito além disso. Enquanto isso, aquela mulher que se incomodou com a nossa presença no shopping provavelmente deve ter filhos e filhas que hoje se incomodam quando os jovens da periferia fazem os rolezinhos e aplaudem as decisões judiciais e as ações repressivas de seguranças e policiais.
O que mudou de trinta anos atrás para agora? Trinta anos atrás, eu e meu colega não vimos como reclamar daquilo e guardamos para nós mesmos esta triste experiência – o único “protesto” que consegui fazer foi boicotar este shopping por mais de vinte anos. E, hoje, os jovens dos rolezinhos botam a boca no mundo. Conseguem apoio de entidades de direitos civis, do movimento anti-racista, de personalidades políticas, de intelectuais.
Não se trata de considerar os “rolezinhos” como movimentos políticos ou não políticos. Isso é pura bobagem. O que estes fenômenos, assim como os protestos contra homofobia, o machismo, a intolerância religiosa e outros, apontam é que em uma sociedade democrática, justa e igualitária, a existência de pessoas com esta mentalidade não fazem o menor sentido.
Cerca de 200 pessoas fizeram uma manifestação no sábado contra a repressão aos rolezinhos. A passeata seguiu do Parque do Povo até o Shopping JK Iguatemi que fechou as portas para impedir a entrada dos manifestantes.
Fonte: Quilombo