Sobre terremoto, simulacro e simulação

acabo de ver um jornalismo preguiçoso e irresponsável falar novamente em terremoto, na cobertura da tragédia ocorrida no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana-MG.

 

Enviado por Lelê Teles via Guest Post para o Portal Geledés

Reprodução/ Twitter

o Jornal Nacional foi enfático: “sismógrafos da universidade de Brasilia registraram mais dois abalos na região”.

 

o G1 deu destaque ao depoimento de um “sobrevivente” que falou em terremoto.

fiquei sismado, como falar em sismógrafo e não mostrar a opinião do sismólogo?

esse tipo de abalo, de baixa magnitude, é forte o suficiente para romper a barragem?

não sabemos, talvez nunca saberemos. e nos faltam respostas porque falta quem faça as perguntas.

 

cara, cadê aqueles jornalistas de botas de borracha, caminhando na lama, espetacularmente, esbaforidos, com peixes asfixiados nas mãos, buscando culpados, enquadrando autoridades, fazendo aquelas perguntas difíceis, mordendo o rabo do cachorro?

os repórteres hoje falavam baixinho, com calma, como se estivessem numa missa.

 

como se temessem incomodar alguém.

no JN mostraram a imagem de um grupo de estudantes que protestavam, mas os filmaram de longe, e se limitaram a dizer que a direção da empresa iria avaliar as reivindicações da moçada.

quais reivindicações, o que disseram os jovens, como se chamam, o que queriam?

quem quer saber?

por que isso não interessa?

aécio neves – grafemos em minúsculas – é quem pauta essa gente? não foi ele mesmo quem disse que não estava na hora de procurar culpados?

e é ele quem decide a hora de procurar culpados?

como o Jornal Nacional pode ocultar a informação de que a Vale foi privatizada por FHC justamente para ser eficiente?

escarafunchando daqui e dali, descobri que, em apenas um mísero ano, as três mineradoras envolvidas na exploração de minérios naquela área, a Vale, a Samarco e a BHP obtiveram, juntas, um lucro líquido de mais de 15 bilhões de reais.

é só isso que se chama de eficiência? rasgar a terra e entupir rios e cidades de lama em busca de lucro, de grana?

por que diabos Pimentel se comporta como se fosse cúmplice dessa tragédia?

por que pretendem jogar essas toneladas de lama para debaixo do tapete?

por que as vítimas não falam?

o secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Altamir Rôso, falou e disse que a “empresa (Samarco) é uma das que mais se preocupam com segurança e com meio ambiente. todas as licenças da empresa estão devidamente corretas e tudo foi feito para que isso não ocorresse”.

como assim, meu camarada, havia um relatório que acusava problemas na contenção; a partir de uma ação do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), o Ministério Público de Minas Gerais havia exigido da mineradora um plano de emergência e de alerta.

isso em 2013, quando o PSDB governava o estado.

como se não bastasse, a população também já havia denunciado problemas na barragem, mas absolutamente nada foi feito.

pior do que não procurar culpados é tentar protegê-los.

o mesmo Rôso disse, veja como se tratam os desmandos dos bilionários, que “em um primeiro momento nossa ação é com as pessoas, e depois com o tempo, serão feitas as análises para ver o que ocasionou esses problemas”.

com o tempo, disse descaradamente o cabra. quanto tempo?

 

até que se esqueçam?

tá errado, seo Rôso. enquanto uns cuidam das pessoas, outros cuidam das coisas que as outras pessoas fizeram.

que conversa mole é essa?

Altamir Rôso, lembremos, fala em nome do governo do Estado, e veja o que mais ele disse: “neste primeiro momento temos que ser solidários, tanto com a empresa, que também é uma vítima, como com a população e os trabalhadores.”

a empresa, por ganância, como tudo indica, expõe milhares de pessoas ao perigo, dá uma banana para a notificação do Ministério Público e ainda é classificada como uma vítima?

vítima do quê mesmo?

um amigo engenheiro me informa que o buraco é muito maior, e que essa é a ponta de um iceberg.

porque há um intrincado sistema de barragens, que integram o complexo Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional, que se romper, varre Ouro Preto, Mariana, Congonhas e adjacências do mapa.

é dar lama ao caos.

 

vítimas somos todos nós que assistimos a essa catástrofe sem nada compreender e sem que ninguém pareça querer, de fato, nos explicar.

quem cuida, quem fiscaliza, onde estão os relatórios, o que mais pode acontecer, onde mais há vulnerabilidade?

 

quem pergunta, quem responde, quem quer saber?

 

vítimas, seo Rôso, somos todos nós. 

 

vítimas da simulação, do fingimento, do simulacro.

vítimas da desinformação.

palavra da salvação.

 

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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