Sofremos racismo de espanhóis. E escravizamos bolivianos para compensar – Por: Leonardo Sakamoto

O Twitter virou a madrugada com uma enxurrada de post preconceituosos contra jogadores negros por conta das três mangabas que caíram na cabeça dos irmãos espanhóis no Maracanã. Não fico ofendido porque sou brasileiro – essa patriotada ridícula me dá canseira. Mas qualquer ser humano não deve ser motivo de piadas por conta da cor de sua pele, sua origem social ou geográfica, orientação sexual, opção política, e por aí vai.

Os comentários de gente dodói não refletem a totalidade do povo espanhol, da mesma forma que não se pode generalizar as porcarias proferidas na internet a partir daqui contra negros, judeus, chineses e bolivianos. No que pesem ambas as sociedades serem patriarcais, machistas, homofóbicas.

Antes de mais nada, para os racistas na internet, o meu desprezo. E o desejo que, no futuro, a incitação internacional de crimes de ódio possa ser punida. O que não seria uma porrada contra a liberdade de expressão, mas um afago carinhoso à dignidade. Contudo, estes momentos são didáticos para que aprendamos com os erros, façamos correções de rumo e possamos nos reconstruir e construir uma sociedade melhor.

Por exemplo, vamos comparar os maus perdedores do outro lado do Atlântico com algumas coisas que andamos lendo ultimamente sobre imigrantes em São Paulo. E que assusta pacas.

Vi, mais de uma vez, grupos de jovens brancos, bem vestidos, criados no leite Ninho e provavelmente alunos de escolas caras da Paulicéia, alopravando bolivianos que encontravam na rua. “Esse aí perdeu sua flauta de bambu e a lhama!”, proferiu um deles – que provavelmente aprendeu a fazer humor com alguns gênios da TV. Duas pessoas com feições andinas olharam para os jovens e seguiram a marcha, sem expressar opinião, como se aquilo não fosse uma novidade.

Cansei de ver grupos ridicularizando bolivianos no Centro de São Paulo. Todos eram jovens, todos brancos, alguns de olhos claros. Índios, portanto não eram. E, dessa forma, desprezavam aquilo que um dia seus pais e avós também já foram: estrangeiros recém-chegados, tentando a sorte, em uma cidade que não gosta deles.

Não vou debater as origens da xenofobia, a relação entre estabelecidos e outsiders, o entendimento da alteridade… enfim. Afinal isto é um post, não uma missa. Mas é ridículo que pessoas da mesma classe média que reclama ser barrada nos aeroportos na Europa e nos Estados Unidos, e que deve estar reclamando dos tuítes racistas de nossos irmãos espanhóis, reservem um tratamento preconceituoso aos que vêm de fora.

O ser humano aprende com a experiência coletiva? Faz-me rir.

Muitos dos latino-americanos não vêm para cá atrás das belezas naturais de São Paulo, mas sim de oportunidades melhores ou fugindo da miséria. Miséria da qual, muitas vezes, somos co-responsáveis por explorar terra, trabalho e recursos naturais lá. Guardadas as proporções, é a mesma coisa que empresas e governos do hemisfério norte fazem com a gente. Reclamamos de estrangeiras operando no Brasil, porém, quando alguém na Bolívia ou no Paraguai pensa em rever contratos para tornar menos injusta a relação com o nosso país, parte da opinião pública daqui brada aos quatro ventos o absurdo que é essa ousadia. Quem eles pensam que são? Iguais a nós?

São Paulo conseguiu se tornar o que é por conta de quem veio de fora. Por exemplo, deveríamos ter orgulho em ser a maior cidade nordestina fora do Nordeste e toda a diversidade que isso trás. Mas chamar alguém de “baiano” como se fosse um xingamento horrível ainda é tão comum quanto contar piada de gay.

Não faz sentido que viremos às costas aos que vêm de fora e adotam São Paulo ou o Brasil, mesmo que a contragosto. Eles são tão paulistanos e brasileiros quanto eu e você, trabalham pelo desenvolvimento do país, entregam sua juventude e sua dignidade para que possamos estar todos na moda sem gastar, mas normalmente passam invisíveis aos olhos da administração pública e do resto de nós.

O aumento da imigração de pessoas que procuram uma vida melhor em um país com maior oportunidade de emprego tem mostrado o que certas nações têm de pior. Os Estados Unidos erguem uma cerca entre eles e o México, para regular o fluxo de faxineiros, operários e serventes. Na Inglaterra, brasileiros levam bala.

Na Espanha, turistas, se piscarem, são tidas como prostitutas querendo invadir o território.

Em muitos cantos da Europa africanos, sul-americanos e asiáticos são carne de segunda. Lembrando que boa parte dos imigrantes faz o trabalho sujo que poucos europeus ocidentais querem fazer, limpando latrinas, recolhendo o lixo, extraindo carvão, isso vai ser um tanto quanto hipócrita de se ver. Até porque os países que recebem esses trabalhadores ganham com sua situação de subemprego e o não pagamento de todos os direitos.

Em todo o mundo, culpamos os migrantes de roubar empregos, trazer violência, sobrecarregar os serviços públicos porque é mais fácil jogar a responsabilidade em quem não tem voz (apesar de darem braços para gerarem riqueza para o lugar em que vivem) do que criar mecanismos para trazê-los para o lado de dentro do muro que os separa da dignidade – que, inclusive, geraria recursos através de impostos.

Adoraria que o Brasil desse um exemplo aos países do Norte, derrubando os muros que criam cidadãos de primeira e terceira classe (coloco-os atrás dos brasileiros pobres, os cidadãos de segunda classe, porque esses – apesar de maltratados – ao menos existem para algumas políticas públicas), garantindo a mesma dignidade para quem vive em solo nacional. Há legislação que já garante isso no caso do Mercosul e Estados parceiros, mas interpretações diferentes dentro na Polícia Federal garantem que as coisas mudem muito lentamente. Mesmo com direito a permanecer por aqui, gente tem sido deportada por conta de ignorância estatal.

Boa parte das roupas que vestimos é feita por imigrantes. Seja eles bolivianos, paraguaios e peruanos no Brasil (parte deles em situação análoga à de escrava, com dezenas tendo sido resgatados pelo poder público em São Paulo) ou gente explorada no Sul e Sudeste Asiático, que vai encher as gôndolas das lojas em Paris, Londres e Roma, onde classe media tanto gosta de sacolar quando viaja.

Vivemos sim uma dúvida parecida àquela enfrentada pelo Velho Mundo. Não, não é se haverá trabalho e espaço para todos com os deslocamentos de imigrantes em busca de emprego (ou fugindo de catástrofes ambientais). Mas se as características que nos fazem humanos não estarão corroídas até lá.

Um menino de família boliviana morreu com um tiro na cabeça, na frente dos pais, em um assalto à sua casa na Zona Leste de São Paulo. Relendo as reportagens sobre o tema, vi muita coisa com relação à busca pelos culpados e a necessidade de aumentar as penas. Particularmente, espero que eles sejam julgados e condenados de acordo com o que está previsto na lei brasileira, incluindo os agravantes pertinentes. Mas quase nada se falou sobre a situação precária a que estão submetidos as dezenas de milhares de famílias bolivianas em São Paulo, que tornam o nosso guarda-roupa viável. Por que trabalha 14 horas por dia? Quanto ganham? Quais as dificuldades que eles enfrentavam por serem estrangeiros? Quais políticas educacionais e de saúde o poder público destinava a ele? Estavam em situação regular, mas pouco importa, mesmo se não tivessem, se estão aqui gerando riqueza ou exilados merecem os mesmos direitos que nós.

Mas a verdade é que se dezenas, talvez centenas de milhares de bolivianos fossem às ruas, bloquear o Centro de São Paulo, pedindo para que fossem respeitados como os estrangeiros ricos que vêm trabalhar na cidade, seriam duramente reprimidos. Alguns deportados até.

E a população que tuitou que uma criança boliviana morreu ficaria incomodada com isso.

“O que eles querem mais? Calem a boca e continuem costurando!”

Como sempre foi até agora.

 

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Fonte: Blog do Sakamoto

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