Brasília – Convidado a participar de um seminário para discutir a literatura africana de expressão portuguesa, o angolano Ondjaki criticou hoje (17) a falta de conhecimento a respeito da diversidade cultural do continente africano. Ele rejeitou o rótulo de “escritor de expressão portuguesa”.
“Este é um erro comum. Vamos a um evento como este e nos apresentam como africanos de expressão portuguesa. Não. Somos países africanos de língua portuguesa, mas não temos que ser de expressão portuguesa. Eu sou angolano, de expressão angolana. Fica feio, é desagradável dizer que sou de expressão portuguesa. Chamem-nos, se necessário, de países africanos de língua portuguesa, o que é um espaço afetivo”, disse Ondjaki, ao lado da escritora moçambicana Paulina Chiziane, durante evento da 1ª Bienal do Livro e da Leitura, em Brasília (DF).
Com a obra traduzida para vários idiomas e há quatro anos vivendo no Brasil, Ondjaki se consagrou como uma das novas vozes de expressão de seu país. Não só pela ironia de seus textos, mas principalmente pela visão crítica com que descreve os problemas angolanos, país que se tornou independente de Portugal em 1975.
“A generalização que se faz a respeito da África cria expressões como ‘fulano é estudioso das literaturas africanas’. Caramba. Esse fulano precisaria ser um estudioso que se dedicasse a algo que nunca acaba, abarcando a todo um continente heterogêneo. Temos que começar a designar melhor as coisas”, declarou Ondjaki, criticando também o conceito de lusofonia.
“Não sei o que é lusofonia. Para ir a qualquer outro destes países eu preciso de visto. Por que um senegalês é francófono e um francês não é senagalófono? No meu caso, ou sou angolano ou sou cidadão do mundo”, destacou o autor. “Eu pertenço a um espaço que não obedece a vistos, a conceitos políticos, a reuniões de ministros, que é a comunidade de língua portuguesa, um espaço de amizade, de preferência com letras minúsculas.”
O escritor lamentou o fato de não poder optar, quando jovem estudante em Luanda, por aprender idiomas locais como o quibundo ou o ombundo, ainda hoje muito falados em seu país. Ele disse ainda que escreve suas obras utilizando o que chama de “Língua Desportuguesa”.
“Um idioma artístico no qual tenho a necessidade de escrever. O escritor, enquanto artista, deve poder trabalhar a língua de uma maneira que ela gere uma linguagem estética que acompanhe seu processo criativo. É isso que gera uma marca identitária que é só dele. E isto é uma urgência pessoal que vem de dentro. Partimos de pressupostos semelhantes, de uma gramática comum, mas, no fundo, aquilo que faz a literatura de cada um nem sequer é o fato de ser angolano, moçambicano ou brasileiro. São coisas muito mais profundas, são as urgências, os anseios e os sonhos de cada um.”
Perguntado sobre sua visão pessoal a respeito do Brasil, Ondjaki revelou que ela mudou muito, e para melhor, desde que passou a vivenciar a realidade do país. Ele chamou atenção, entretanto, para algumas contradições.
“Eu via o Brasil de uma maneira quando estava em Angola, onde as informações chegam por meio das novelas e da música brasileira. Hoje, vejo o país como uma potência cultural, uma potência que vai muito além do fato de ter o pré-sal ou coisas assim. No entanto, há momentos em que o país me parece ser extremamente aberto e outros em que ele parece ser extremamente xenófobo.”
“Vejo o Brasil discutir a pobreza, o racismo, as desigualdades sociais da forma como gostaria que Angola fizesse, mas também vejo gente aqui dizendo que esses problemas não existem. Países que acham que são só brancos, só negros, estão mais atrasados que o Brasil”, completou o autor, que dividiu as atenções do público com a romancista moçambicana Paulina Chiziane.
A mesa também deveria ter contado com a participação de Abdulai Sila, mas ele cancelou sua participação após um golpe de Estado militar em seu país, Guiné-Bissau.
Fonte: Cenariomt