“Sou negra e poderosa. Saí da pobreza e me tornei empresária milionária”

“Quando eu chego em uma roda de empresários, eles olham para mim e logo começam a perguntar o que faço, o que já fiz, querem saber por que estou ali. Acontece praticamente uma entrevista para que consigam entender como eu, uma mulher negra, estou ali no mesmo lugar que eles.

por Helena Bertho no UOL

Mas se eu contar minha história, a verdade é que nem eles nem mais ninguém vai poder duvidar de que sim, eu pertenço a esse ambiente dos negócios. Porque se tem uma coisa que eu sou desde pequena é empreendedora.

“Desde nova eu me virava para conseguir dinheiro”

Minha mãe morreu quando eu tinha 8 anos e meu pai criou sozinho eu, minha irmã e dois irmãos. A gente morava em uma comunidade em Madureira (bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro), com uma vida pobre e simples. E em volta de nós, mais pobreza e violência. Tanto que meu irmão mais velho se perdeu no tráfico. Foi terrível, mas ao mesmo tempo me ensinou a importância das escolhas que eu fazia na vida. Eu não queria ter o mesmo fim que o meu irmão.

Por isso, desde nova eu me virava para conseguir ter o meu dinheiro de jeito honesto. Aos 9 anos, carregava água para os vizinhos por uns trocados; aos 10, lavava louça e roupa. Com 13, consegui meu primeiro emprego vendendo bijuteria e daí não parei mais. Se em casa a gente tinha apenas o básico para sobreviver, eu garantia o pão extra, os doces, o salgadinho do lanche da escola.

Fui secretária, atendente, recepcionista e vendedora das mais diferentes lojas. Até que aos 16 comecei em uma loja de cosméticos, onde descobri meu caminho. Existia ali um espaço, com um lavabo, cadeira e espelhos, onde os clientes podiam usar os produtos comprados e testar com uma cabeleireira. E aquilo me deslumbrava! A transformação que as pessoas sofriam, o bem-estar que vinha com o cuidado.

É que eu sempre fui vaidosa, apesar de não ter dinheiro para bancar. Lavava meu cabelo com sabão de coco — sabonete quando dava — e nem sabia o que era condicionador. Uma vez, aos 12 anos, vi na TV uma reportagem sobre máscara de argila medicinal para deixar a pele bonita. Achei aquilo maravilhoso. Então quando choveu, sai correndo paras ruas do morro, fui até uma poça d’água e lambuzei minha cara na lama para me tratar.

Trabalhando com beleza, eu percebi que queria não só cuidar de mim, mas também oferecer cuidado para outras pessoas e uma vontade começou a crescer dentro de mim.

“Sem saber nada de estética, decidi abrir um salão”

Depois que saí da loja de cosméticos, tive minha primeira experiência empreendedora: uma amiga tinha uma loja de presentes importados e propus ampliar seu negócio. Consegui um lugar para vendermos e a gente ia até o Paraguai comprar os produtos. E foi um sucesso só! Mas acabei saindo porque a sociedade não estava dando muito certo. Então depois de um ano e meio, eu estava de volta ao mercado em busca de desafios.

Até voltei para a loja de cosméticos, mas foi uma passagem relâmpago. É que Markos, meu namorado na época, hoje meu marido, estava fechando uma loja de materiais elétricos que tinha, sobrariam R$ 8 mil da venda e ele propôs usarmos isso para começar um negócio.

‘Vamos abrir um salão?’, eu falei. E ele riu, achando que era loucura. Nenhum de nós sabia nada de estética. Mas a gente podia aprender, né? Falei para fazermos um curso de cabeleireiro e fui tão convincente — afinal, vender sempre foi um dom meu — que ele acabou topando.

Enquanto ele aprendia corte, eu foquei em química. Assim a gente podia se complementar no atendimento. Fizemos um curso rápido de dois meses e arrumei um espaço para alugar. Estava cheio de entulho e acabado! Então precisamos limpar, pintar e até colocar carpete no chão, com nossas próprias mãos.

“Falimos e ficamos com uma mão na frente e outra atrás”

Com tudo pronto, chamamos uma de nossas professoras para trabalhar conosco e botamos o salão para funcionar. Ela levou muitos clientes para nós e, fazendo tudo direitinho, fomos conquistando cada vez mais e mais gente. Em meses, éramos um verdadeiro sucesso!

Tanto que recebemos uma proposta para comprar um segundo salão, expandir. Ele estava prontinho, era só abrir. Decidimos tentar e foi nosso maior erro. Dividindo nossa energia entre as duas unidades, não conseguimos cuidar tão bem dos dois e a clientela foi começando a cair, mas os custos agora eram o dobro. Resultado: quebramos.

Devendo o aluguel, telefone, salários e pagamentos de fornecedores, fechamos o salão, com uma mão na frente e outra atrás. Pior que nossas contas, só nosso moral. Estávamos destruídos, uma sensação de fracasso indescritível.

“Dormíamos num tapete e usávamos uma caixa como geladeira”

Markos foi vender peixinhos Betta na rua enquanto eu tentava arrumar algum trabalho. Mas o pior para mim era o desânimo. Eu sentia que tinha desistido, que não valia a pena tentar mais nada.

Nessa época, decidimos morar juntos. Fomos para uma quitinete e, quebrados, não tínhamos grana nem para móveis. Nossa casa tinha uma TV, que levei comigo; uma tábua, em cima da qual deixávamos as roupas; uma caixa com gelo que servia de geladeira e um tapete onde dormíamos. Sinceramente, eu não achava que dava para sair dessa.

Quem me deu um chacoalhão foi aquela minha amiga, de quem fui sócia. ‘Cadê a Jane? Volta lá e abre outro salão. Tá devendo? Paga!’. Foi o que ela me disse. E, na hora, aquilo me abriu os olhos. Verdade. Cadê a velha Jane, que não fugia de nenhum desafio, muito pelo contrário?

Mas teve gente que também falou o contrário. Que eu devia entender que era uma mulher negra e pobre e que eu jamais teria sucesso, que meu lugar era sendo funcionária dos outros. Mas eu não podia aceitar que minha cor, meus cabelos e minha origem determinassem o que eu podia ou não.

Procurei as donas do imóvel onde ficava o salão e, depois de uma bela discussão, consegui reabrir meu negócio e pagar os atrasados aos poucos. Procurei funcionários que topassem embarcar num empreendimento arriscado e recomecei.

Nem telefone a gente tinha, porque meu nome estava sujo. Então eu ficava na porta oferecendo tratamentos grátis para pessoas que passavam na rua, tentando fidelizar clientela. E deu certo. Quem entrava adorava e já marcava outra sessão. Devagar e no boca a boca, o negócio foi crescendo e a clientela, voltando.

“Hoje estamos no Brasil todo e atendemos milhões de pessoas”

O salão dando certo, Markos voltou a trabalhar lá e nós mobiliamos nossa casa. Lembro quando conseguimos comprar nosso carro. Fomos passar um fim de semana na praia, dormindo dentro dele, para comemorar a conquista!

Nessa parceria, a empresa foi crescendo e dando certo e nossa vida só melhorava. Mas as coisas viraram novamente em 2010. O salão estava estruturado e eu comecei a buscar novos desafios. Então percebi que o atendimento para sobrancelhas tinha muito procura. Por que não abrir um estabelecimento especializado no olhar?

Vendemos o salão e investimos a grana em abrir o primeiro Spa da Sobrancelhas. Dessa vez o sucesso veio rápido: tínhamos tanta procura que em um ano decidimos abrir uma filial. E a coisa nunca mais parou de crescer. Hoje a empresa está no Brasil todo com 450 franquias. Em poucos anos, fui do zero aos milhões. Em 2016, faturamos R$ 93 milhões. Eu sou responsável por treinar as funcionárias que atuam e, juntas, atendemos mais de 9 milhões de mulheres anualmente.

Eu e Markos levamos uma vida completamente diferente, com um conforto que nem imaginávamos enquanto dormíamos no tapete em nosso primeiro apartamento. Ainda tem gente que não aceita me ver tão bem. Mas o que eu espero é que cada vez mais mulheres como eu ocupem no mundo dos negócios. A gente está chegando para ficar.”

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