Além da mostra, Insituto Tomie Ohtake terá debates e exibição de filmes relacionados aos temas de racismo e segurança pública
O Instituto Tomie Ohtake sedia, até 30 de julho, a mostra ‘OSSO – Exposição-apelo ao amplo direito de defesa de Rafael Braga’. O jovem negro, catador de latas, foi preso durante as manifestações de junho de 2013 por portar dois frascos plásticos, um de desinfetante e outro de água sanitária.
Acusado de tentar produzir explosivos com os materiais, ele se tornou o único cidadão brasileiro detido no contexto dos atos que foi condenado à pena de prisão. Vinte e nove artistas brasileiros participam da mostra.
“A experiência sensível desta exposição será de vastidão e emergência: o deambular por um amplo espaço ocupado pontualmente por proposições precisas – ora pontuais como um toque, ora afiadas como um bisturi. Não são apenas obras-discurso, mas obras-atitude”, descreve o curador do Instituto Tomie Ohtake, Paulo Miyada.
Além da exposição, haverá debates, exibições de filmes e outros eventos paralelos sobre temas como racismo, segurança pública e direitos. Veja abaixo a programação.
Saiba mais sobre o caso
Rafael Braga recebeu pena de quatro anos e oito meses em regime inicial fechado pelo flagrante que ocorreu nas maifestações de 2013. Ele progrediu ao regime aberto por preencher os requisitos legais.
Em janeiro de 2016, o jovem voltou a ser preso na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio de Janeiro, usando tornozeleira eletrônica. A versão dos policiais afirma que ele carregava 0,6 g de maconha, 9,3 g de cocaína, além de um rojão. Rafael, que nega todas as acusações, alega ter sido vítima de violência e extorsão policial.
Apesar das contradições nos depoimentos dos policiais, únicas testemunhas do suposto crime, Rafael foi condenado a 11 anos e 3 meses de prisão por tráfico de drogas e associação para o tráfico de drogas em abril de 2017.
Diante de questões humanitárias urgentes, o Instituto Tomie Ohtake se oferece como plataforma para a realização de um projeto singular, ao unir os territórios da Arte e da Justiça, em parceria com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e com a adesão de um grupo de artistas.
Em OSSO – Exposição-apelo ao amplo direito de defesa de Rafael Braga, as obras reunidas e os debates propostos pretendem iluminar o tema em destaque na sociedade brasileira: igualdade de direitos constitucionais básicos.
O Instituto Tomie Ohtake busca incluir em seu programa propostas que, além das artes visuais, alcancem outros campos da cultura, como literatura (José Saramago: a consistência dos sonhos); teatro (Arena conta Arena 50 anos), cinema (Kurosawa – criando imagens para cinema) e ciência (A Arte e a Ciência – Nós entre os extremos).
EXPOSIÇÃO
Para a exposição, o curador do Instituto Tomie Ohtake, Paulo Miyada, convidou e contou com a adesão imediata de 29 dos mais relevantes artistas brasileiros. O título “osso” justifica-se por terem sido escolhidas obras produzidas a partir de elementos mínimos, que podem aludir de forma sintética à fragilidade e a crueza dessa questão “o direito de defesa”. Segundo Miyada, “A experiência sensível desta exposição será de vastidão e emergência: o deambular por um amplo espaço ocupado pontualmente por proposições precisas – ora pontuais como um toque, ora afiadas como um bisturi. Não são apenas obras-discurso, mas obras-atitude”. Todos os artistas responderam diretamente ao convite para integrar a exposição com esta causa.
Cerca de dois terços dos artistas participam com obras existentes, os demais com obras inéditas ou feitas especialmente para a exposição. Cildo Meireles, por exemplo, mostra Cruzeiro do Sul (1969), cubo de madeira de madeira de 9 mm apresentado diretamente sobre o chão em uma sala vazia; ele é composto de uma secção de pinho e a outra de carvalho, madeiras utilizadas por povos indígenas para produzir fogo por fricção. Carmela Gross irá refazer o desenho em grafite sobre parede Águia (1995), originalmente parte de instalação da artista na antiga Cadeia Municipal de Santos. Paulo Bruscky irá remontar simbolicamente a exposição em que apresentou seu Manifesto Nadaísta (1974) – lançado à época como uma forma de protesto mudo contra a censura. Nuno Ramos mostrará Balada (1995/2015) livro de 896 páginas em branco perfurado por um tiro de pistola, cujo projétil se encontra alojado no interior do mesmo.
No conjunto de convidados, há representantes de diferentes gerações e regiões do país – desde Bené Fonteles (1953, Bragança, Pará. Vive em Brasília) até Gustavo Speridião (1978, Rio de Janeiro), por exemplo. Uma parcela significativa dos participantes destaca-se pela contínua dedicação a debates sobre preconceito e violência, como Rosana Paulino, Jaime Lauriano, Paulo Nazareth, Dalton Paula e Moisés Patrício.
Lista de artistas participantes: Adriano Costa, Alice Shintani, Anna Maria Maiolino, Bené Fonteles, Carmela Gross, Cildo Meireles, Clara Ianni, Dalton Paula, Fabio Morais, Fernanda Gomes, Graziela Kunsch, Gustavo Speridião, Ícaro Lira, Iran do Espírito Santo, Jaime Lauriano, Jonathas de Andrade, Maria Laet, Miguel Rio Branco, Moisés Patrício, Nelson Félix, Nuno Ramos, Pablo Lobato, Paulo Bruscky, Paulo Nazareth, Raphael Escobar, Rosana Paulino, Sonia Gomes, Tiago Gualberto e Vitor Cesar.
Além das obras em exposição, em uma sala adjunta, serão apresentados documentos ligados direta e indiretamente ao caso de Rafael Braga – a compilação e edição de dados e textos nasce também da parceria das equipes do Instituto Tomie Ohtake com o IDDD.
DEBATES
No primeiro sábado após a abertura da mostra, 1 de julho de 2017, um amplo debate será realizado, com introdução por Paulo Miyada e Hugo Leonardo, vice-presidente do IDDD, e participação dos convidados Geraldo Prado, Professor de Direito da UFRJ, magistrado aposentado do Tribunal de Justiça RJ e consultor jurídico; Suzane Jardim bacharela em História pela USP, pesquisadora de gênero e dinâmicas raciais e uma das organizadoras da campanha 30 Dias por Rafael Braga e Cidinha da Silva, escritora e ativista, autora de nove livros, incluindo #Parem de nos matar! (São Paulo: Editora Ijumaa, 2016). Outras atividades estão sendo programadas pelo Núcleo de Cultura e Participação do Instituto Tomie Ohtake – entre elas, uma série de oficinas de cartazes a serem realizadas no CDP Pinheiros III.
SOBRE RAFAEL BRAGA
O jovem negro carioca, era catador de latas quando, nas manifestações de junho de 2013, foi levado à prisão por portar dois frascos plásticos, um de desinfetante e outro de água sanitária. A acusação dizia que ele portava materiais inflamáveis que seriam utilizados para produzir explosivos, mas cuja aptidão incendiária foi contestada por um laudo do Esquadrão Antibomba da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil. Ainda assim, Rafael foi o único cidadão brasileiro preso no contexto dos atos que foi condenado à pena de prisão. Condenado à pena de quatro anos e oito meses em regime inicial fechado, em dezembro de 2015, progrediu ao regime aberto, por preencher os requisitos legais.
Rafael trabalhava como auxiliar de serviços gerais no Centro do Rio de Janeiro e utilizava tornozeleira eletrônica, quando, em janeiro de 2016 foi preso novamente. Segundo a versão policial, o jovem caminhava pela Vila Cruzeiro, zona norte do Rio de Janeiro, quando teria sido flagrado com 0,6 g de maconha, 9,3 g de cocaína, além de um rojão. Rafael, que nega todas as acusações, alega ter sido vítima de violência e extorsão policial. Há contestações sobre a veracidade do flagrante e foi registrada contradição entre os depoimentos de policiais militares, únicas testemunhas da acusação. A testemunha da defesa, que afirma que Rafael não portava as drogas no momento da detenção, teve seu depoimento desacreditado pelo juiz. No final de abril de 2017, Rafael Braga foi condenado a 11 anos e 3 meses de prisão por tráfico de drogas e associação para o tráfico de drogas.
Apesar do acúmulo de infortúnios que colaboraram para a relativa publicização desse caso, ele não está isolado nas estatísticas brasileiras. Para Hugo Leonardo, vice-presidente do IDDD, “o jovem é um símbolo da crescente população prisional brasileira. A história de Rafael é semelhante àquelas de tantos outros jovens que não conseguem se livrar de um direito penal cada vez mais amplo e violento. Rafael representa, ainda, o angustiante destino cíclico da população periférica egressa do sistema prisional”.
SOBRE O IDDD:
Em julho de 2000, preocupados com a intolerância ao direito de defesa e à presunção de inocência, foi fundado por um grupo de advogados criminalistas o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), organização da sociedade civil de interesse público.
Desde a sua fundação, o principal desafio do IDDD é o de sensibilizar a sociedade para o cuidado que se deve ter com acusações injustas e julgamentos açodados, demonstrando que essa precaução é critério a nos afastar de um Estado totalitário e opressor. E que esse é o pressuposto da liberdade humana, que não pode ser de qualquer forma flexibilizado, sob pena de se colocar em risco a própria democracia.
Para o IDDD, apresentar à sociedade a necessidade desse debate, significa propiciar ampla discussão acerca do que é o processo de criminalização e de que maneira o direito penal e o encarceramento em massa são as maiores demonstrações do agravamento dos conflitos sociais.
PROGRAMA DE ATIVIDADES
VISITAS AGENDADAS
Mediadas por educadores, incluem conversa na exposição, seguida de atividade poética em ateliê.
Quintas-feiras, 10h às12h | 14h às 17h
Sextas-feiras, 14h às 17h
MESA DE ABERTURA
Debate apresentado pelo curador Paulo Miyada e por Hugo Leonardo, vice-presidente do IDDD, com a participação de Geraldo Prado, professor de Direito da UFRJ, magistrado aposentado do Tribunal de Justiça RJ e consultor jurídico; Suzane Jardim bacharela em História pela USP, pesquisadora de gênero e dinâmicas raciais e uma das organizadoras da campanha 30 Dias por Rafael Braga e Cidinha da Silva, escritora e ativista, autora de nove livros, incluindo #Parem de nos matar! (São Paulo: Editora Ijumaa, 2016).
1 de julho, 18h
ATELIÊ ABERTO DE CARTAZES
Produção de cartazes relacionados ao tema da exposição a partir de técnicas como serigrafia, estêncil e carimbo.
Sábados, 1,8,15,22 e 29 de julho, 14h às 17h
CONVERSAS EM FLUXO
Exibição de filmes, conversas e apresentações relacionadas ao tema da exposição
PROGRAMAÇÃO:
6 JULHO ÀS 19H
APRESENTAÇÃO DA PEÇA “MACACOS”
“MACACOS” é um monólogo que se desenvolve a partir do relato de um homem negro em busca de respostas para o racismo que rodeia o seu cotidiano e a história de sua comunidade. É como um fluxo de pensamentos, desabafos e elucidações que remete à história do Brasil e de grandes artistas negros, como Elza Soares, Machado de Assis e Bessie Smith, refletindo também sobre o presente por meio de relatos e estatísticas atuais sobre o encarceramento e execução de jovens negros no país.
A Cia do Sal é um grupo formado por artistas-amigos que se conhecem há 10 anos e que valorizam em suas criações artísticas o empoderamento político-social, bem como a participação do público para a construção de suas obras. O repertório da Cia do Sal discute temas de urgência como o racismo e o genocídio negro no Brasil, procurando sempre afinar o seu discurso horizontalmente, muitas vezes optando por convidar artistas, parceiros ou aprendizes para atuar junto aos membros com formação em Teatro, Dança, Iluminação e Direção Cênica.
13 JULHO ÀS 19H
Exibição da websérie “O filho dos outros” (4 episódios com duração total de 68 minutos), produzido pelo coletivo Rebento, seguido de debate.
“O filho dos outros” é uma websérie produzida pelo coletivo Rebento que traz discussões sobre a redução da maioridade penal no Brasil. Além de abordar o tema de forma direta, traz dados e informações que enriquecem a reflexão acerca do assunto e a complexidade que o acompanha, como os direitos da criança e do adolescente no Brasil, o conceito de infância, o sucateamento da educação pública e outros problemas estruturais da sociedade. A série discute, também, as possíveis conseqüências da redução da maioridade penal na sociedade brasileira.
O coletivo Rebento nasceu em 2015 já pensado para o desenvolvimento da websérie “O filho dos outros”. O coletivo tem como objetivo ter estrutura para fazer trabalhos voltados para problemas sociais e, assim, contribuir com o debate público.
Evento Gratuito.
20 JULHO ÀS 19H
Exibição do documentário “ Mulheres negras: projetos de mundo” (25 min), de Day Rodrigues e Lucas Ogasawara, seguido de debate com a diretora.
Dirigido pela produtora cultural, escritora e feminista negra Day Rodrigues em parceria com Lucas Ogasawara, o documentário conta com depoimentos de nove mulheres negras abordando a experiência de vida a partir da raça, do gênero e da classe, apresentando discussões do feminismo negro e da resistência da mulher negra através dos anos.
Day Rodrigues é produtora cultural e escritora, tem Licenciatura em Filosofia e Especialização em Gestão Cultural pelo Centro de Pesquisa e Formação do Sesc. Produziu e escreveu o documentário “Ouro Verde: a Roda de Samba do Marapé” e o curta-metragem “Ponto Final”.
Exibição do documentário “Universo Preto Paralelo” (12 min), de Rubens Passaro, seguido de conversa com o diretor.
Por meio da comparação de obras do século XIX e depoimentos dados à Comissão Nacional da Verdade, o documentário, dirigido por Rubens Passaro, traça um paralelo entre as violações de direitos humanos do passado escravocrata brasileiro e da ditadura militar.
Rubens Passaro é formado em Midialogia pela Unicamp, atua na área de criação e produção de audiovisual, que inclui trabalhos de web e multimídia. É sócio da Tropeiro Produções, que inclui no portfólio produções como “Crack: repensar” e “Di Melo – O Imorrível”.
Evento Gratuito.
PROGRAMAÇÃO DE ENCERRAMENTO
Mesa de discussão com o tema “Encarceramento em massa e seletividade penal’
27 julho, 19h
Exibição do documentário ‘Sem pena’ (1h29m), de Eugênio Puppo, seguida de debate
28 julho, 19h
Ateliê aberto de cartazes, apresentação de vídeo, conversa e sarau.
29 julho, 13h às 20h