O lançamento de brinquedos baseados no novo filme do clássico nerd do cinema Star Wars: o despertar da força trouxe à tona um velho problema: o racismo implícito nas escolhas de determinados brinquedos em detrimento de outros. De acordo com pesquisas dos próprios fãs da série em várias lojas de brinquedos Brasil afora, constatou-se que os bonequinhos do único personagem negro do filme, FINN, ficaram encalhados nas prateleiras, enquanto os demais bonecos da série tiveram ótimas vendas.
Enviado por Marcio André de Oliveira dos Santos via Guest Post para o Portal Geledés
O tema pode parecer sem importância e até banal para alguns. O que de fato levaria a rejeição por parte de uma criança ou seus pais na compra de um boneco negro? Vamos tentar fugir momentaneamente da resposta fácil de que a decisão em não escolher um boneco negro é fruto do racismo de quem compra para tentar ver de uma outra perspectiva. E se o encalhamento do FINN tiver a ver com o fato de que é um novo personagem na série, com baixa identificação entre os aficionados em Star Wars? Ou ainda que a construção do personagem FINN como protagonista no filme não tenha sido forte o suficiente para despertar a simpatia dos fãs? Pode ser. Entretanto, há que se levar em consideração que todos os anos soma-se a já vultosa quantidade de fãs da série outras tantas crianças e jovens seduzidos pelas pirotecnias tecnológicas desta bilionária produção hollywoodiana. Neste caso, as hipóteses acima soam pouco consistentes para sustentar uma rejeição em bloco do FINN.
A rejeição do boneco do FINN reedita outra questão: a representação estética negra expressa nos brinquedos infantis. Famílias negras sempre se depararam com esta dificuldade na hora de comprar presentes que tenham a mesma aparência de seus filhos. O “normal” é encontrar dezenas de bonecas e bonecos com o modelo estético branco, feitos por indústrias brasileiras ou internacionais. Mesmo quando determinadas empresas procuram contemplar ou agradar o público consumidor negro, o tipo estético das bonecas geralmente é “branqueado”, ou então “exclusivista” o que mostra que pouco se importam do ponto de vista da construção da autoimagem de crianças e adolescentes negros. Nos últimos anos, devido a enxurrada de críticas de consumidores negros, sobretudo dos Estados Unidos, a linha de bonecas Barbie tem apresentado um pouco mais de diversidade racial, mesmo assim longe do status de igualdade se comparado com as bonecas brancas.
Leia Também: Star Wars – E o boneco do Finn que ninguém compra?
Não sou lá muito fã de Star Wars, mesmo assim levei meus filhos para assisti-lo. A produção e os efeitos especiais do filme são fantásticos, impressionantes como era de se esperar. No entanto, observei vários problemas na construção do (único) protagonista negro da história. Em primeiro lugar ele não é necessariamente um herói – construção comum em filmes do tipo – e sim um desertor, portanto um sujeito cuja confiabilidade é sutilmente posta em questão.
Nosso protagonista não tem um nome. Seu “nome” é um emaranhado de números sem o menor sentido. Para resolver seu “problema de identidade”, dão-lhe um nome: FINN. Porém quem lhe dá este nome é uma espécie de revolucionário branco que FINN termina por libertar das garras da tal LIGA. Tem-se aí um simulacro do que ocorria no período escravocrata em que traficantes de escravos nomeavam africanos transplantados para o Brasil. Geralmente quem nomeia tem poder sobre aquele ou aquilo que é nomeado.
FINN estabelece uma forte afinidade com a outra protagonista, uma mocinha branca e simpática interpretada pela atriz Daisy Ridley. Até aí tudo bem. Fiquei me questionando por que os dois não iniciaram um romance, já que a afetividade parecia ser mútua. Minha tese é a de que paixões ou romances inter-raciais são automaticamente suprimidos em filmes de bilheterias milionárias. Não vende!! Por esta razão é que a paixão irrealizável, portanto platônica, de FINN pela mocinha branca é posta na tela ainda que não seja (ou não queira ser) realizada por completo. Afinal, do ponto de vista das narrativas dominantes do cinema hollywoodiano negros não têm ou não precisam de afetividade.
Em outros termos, Star Wars é mais uma daquelas grandes produções cinematográficas em que a branquitude é explicitamente construída para consumo em massa. Enquanto nos distraímos com os efeitos especiais e explosões interplanetárias, a hegemonia estética euro-ocidental faz seu eficaz trabalho de nos ludibriar. George Lucas consegue pôr nas telas mais diversidade de tipos entre os alienígenas do que entre os humanos.
Enfim, não podemos esperar passivamente que os bilionários da indústria cinematográfica tenham como compromisso a reversão da subalternidade da representação negra. Mesmo assim é nosso dever chamar a atenção para as manipulações feitas em nome do projeto da branquitude.
Por estas tantas razões é que considero importante que as crianças negras brasileiras vejam o FINN como um herói que se parece fisicamente com elas. Representatividade importa! Do mesmo modo que sonhar em ser um herói negro das galáxias!