Sudanesas recuperam espírito de antigas rainhas e lideram revolução no país africano

As sudanesas desempenharam um papel de liderança no movimento histórico que viu o presidente Omar Al-Bashir cair, depois de 30 anos de regime autoritário. Algumas, como Alaa Salah, tornaram-se ícones. A engenheira de 22 anos se tornou símbolo de um dos grupos mais fortes da contestação popular: mulheres, urbanas, e com educação universitária. Na maioria dos protestos, as manifestantes sudanesas são comparadas às “kandakas”, as rainhas faraós do reino de Kush, no Sudão.

Do RFI

A jovem sudanesa Alaa Salah, discursa face à multidão em Cartum
A jovem sudanesa Alaa Salah discursa face à multidão em Cartum. 08/04/19 (Foto: Courtesy Lana H. Haroun/via REUTERS)

Aos 22 anos, ela se tornou um dos rostos mais conhecidos da Thawra, a chamada “revolução sudanesa”. As imagens do vídeo da jovem Alaa Salah, que sobe num carro de som e declama versos em prol da “revolução” em ritmo de slam, viralizaram em todo o planeta, conclamando as mulheres a participarem dos protestos contra Omar Al-Bashir. O ex-presidente acabou renunciando nesta quinta-feira (11).

A jovem, vestida com um longo véu branco e adornada com brincos de ouro, era vista erguendo a mão em fotos e vídeos que se multiplicaram nas redes sociais. Salah é estudante de arquitetura e engenharia na Universidade Internacional do Sudão, em Cartum, segundo as informações da rádio francesa France Info. O enviado especial da rádio à cidade, revelou que “ela agora recebe ameaças de morte”.

Embora com muito mais diplomas e educação superior que os homens, as sudanesas são mantidas “longe do poder”, relata o jornal francês Le Monde. As manifestações populares foram também palco para que aflorasse uma esperança de que as coisas mudem, também dentro das relações de poder extremamente desiguais entre homens e mulheres na sociedade sudanesa.

Segundo a imprensa internacional, 70% dos manifestantes no Sudão contra o abuso de poder de Omar Al-Bashir são mulheres. Dados da Anistia Internacional mostram que a violência sexual contra as sudanesas é constante no país. “O adultério é diretamente ligado ao estupro, e as mulheres estupradas podem ser condenadas à lapidação por adultério”, relata a ONG internacional de Direitos Humanos.

O mítico reino de Kush

Segundo Alaa Salah, a história de seu país é marcada por rainhas influentes. “É parte da nossa herança”, diz. “Há um fundo cultural muito matriarcal no Sudão. Além disso, nós chamamos essas mulheres por um apelido muito significativo. Elas são as ‘kandakas’. Este foi o nome dado, há milhares de anos, às rainhas e princesas do reino de Kush, que comandou o Sudão “, relata um colunista de política externa da rádio França Inter, Anthony Bellanger.

Mas onde fica exatamente o reino de Kush? Era o nome dado antigamente para à região da Nubia, ao sul do Egito e norte do Sudão. Reza a história do Sudão que lá reinavam soberanas, poderosas e matriarcais, uma espécie de faraós mulheres, vestidas com longos véus brancos e artefatos de ouro, como a encarnada hoje pela jovem Alaa Salah.

Mulheres sudaneses com cartazes nas mãos.
Os manifestantes sudaneses deixaram explodir sua alegria, após o anúncio da remoção de Omar al-Bashir. (Foto: REUTERS/Stringer)

Origem dos protestos que depuseram o presidente

O presidente do Sudão, Omar el-Bashir, renunciou ao cargo nesta quinta-feira, depois de protestos intensos que ocuparam a região do Ministério da Defesa desde o último sábado.

A origem dos protestos foi a decisão do governo de triplicar o preço do pão, num país mergulhado em uma grave crise econômica. Com o fracasso em apaziguar a insatisfação, a mobilização se voltou contra Omar el-Bashir, especialmente depois que ele passou a reprimir as manifestações à força. Em 22 de fevereiro, o presidente declarou estado de emergência durante um ano em todo país, acirrando os ânimos da população.

Desde sábado, dia da retomada dos protestos, sete pessoas morreram, o que elevou o balanço a 38 vítimas fatais desde o início das manifestações contra o governo de Bashir em dezembro, de acordo com o governo. A data, 6 de abril, recorda a revolta que, nesse dia em 1985, derrubou o regime de Jaafar al Nimeiri.

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