Tapa na cara

Prefeito eleito defender a ditadura militar evidencia que a estupidez não está disposta a fazer concessão à civilidade no Brasil

Começar o ano ouvindo um prefeito reeleito democraticamente fazer apologia da “liberdade de expressão em defesa da ditadura militar” (como ocorreu na capital do RS) é uma triste evidência de que a estupidez não está disposta a fazer concessão à civilidade no Brasil.

Não há “valor maior” que a vida, um direito fundamental ameaçado quando há emprego exacerbado da força e intimidação moral. Aplica-se ao traficante que executa um jovem com tiro na cabeça por uma pisada no pé, ao policial que xinga e defende a “aniquilação” de uma jornalista durante as compras no supermercado, e aos políticos que se esquecem dos horrores e dos mortos e desaparecidos na ditadura.

Aos que têm memória curta, vale lembrar que a Polícia Federal concluiu inquérito sobre a “existência de uma organização criminosa que atuou de forma coordenada, em 2022, na tentativa de manutenção do então presidente da República no poder”. Em dois dias, uma solenidade irá lembrar os atos golpistas que culminaram na depredação da Praça dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023.

Também é importante dizer que, sob a perspectiva étnico-racial, o regime militar teve grande impacto na institucionalização do racismo no Brasil. Além da adoção do mito da democracia racial como discurso oficial, o debate sobre preconceito foi proibido e o ativismo negro desarticulado com a vigilância e perseguição de lideranças acusadas de “criar um clima de luta racial”. Nas periferias, a população negra foi alvo frequente de ameaças e violações de direitos humanos por esquadrões da morte que realizavam execuções sumárias.

Torço para que o projeto de lei (PL 2.140/2020) que tramita no Senado para alterar o Código Penal e criminalizar a “apologia à tortura e à instauração de regime ditatorial no país” seja aprovado o quanto antes. Defender a ditadura militar não tem nada a ver com liberdade de expressão e é crime (lei 1.079/1950).

Infelizmente, 2025 chegou dando um tapa na cara de quem, como eu, alimenta a esperança de um Brasil mais justo, igualitário e democrático.


Ana Cristina Rosa

Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública).

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