Thereza Ferraz: Simone de Beauvoir em Doses Homeopáticas – Drop 5

O mundo apresenta-se, a principio, ao recém nascido sob a figura de sensações imanentes; ele ainda se acha mergulhado no seio do Todo como no tempo em que habitava as trevas do ventre: seja criado no seio ou na mamadeira, é envolto pelo calor da carne materna. Pouco a pouco, aprende a perceber os objetos como distintos de si: dintingue-se deles; ao mesmo tempo, de modo mais ou menos brutal, desprende-se do corpo nutriz: por vezes reage a essa separação com uma crise violenta. Em todo caso, é no momento em que ela se consuma – lá pela idade de seis meses mais ou menos – que a criança começa a manifestar em suas mímicas, que se tornam mais tarde verdadeiras exibições, o desejo de seduzir a outrem. Por certo, essa atitude não é definida por uma escolha refletida; mas não é preciso pensar uma situação para existi-la. De maneira imediata a criança de peito vive o drama original de todo existente, que é o drama de sua relação com o Outro. É a angustia que o homem sente seu abandono. Fugindo à sua liberdade, à sua subjetividade, ele gostaria de perder-se no seio do Todo: aí se encontra a origem de seus devaneios cósmicos e panteísticos, de seu desejo de esquecimento, de sono, de êxtase, de morte. Ele nunca consegue abolir seu eu separado: pelo menos deseja atingir a solidez do em-si, ser petrificado na coisa; é, singularmente, quando imobilizado pelo olhar de outrem, que se revela a si mesmo como um ser. É dentro dessa perspectiva que cumpre interpretar as condutas da criança: sob uma forma carnal, ela descobre a finidade, a solidão, o abandono em um mundo estranho; tenta compensar essa catástrofe alienando sua existência numa imagem, de que outrem justificará a realidade e o valor. Parece que é a partir do momento em que percebe sua imagem no espelho – momento que coincide com o da desmama – que ela começa a afirmar sua identidade; seu eu confunde-se a tal ponto com essa imagem que só se forma alienando-se. Desempenhe ou não o espelho propriamente dito um papel mais ou menos considerável, o certo é que a criança começa, por volta de seis meses, a compreender as mímicas dos pais e a se aprender sob o olhar deles como um objeto. Ela já é um sujeito autônomo que se transcende para o mundo, mas é somente sob uma figura alienada que ela se encontra a si mesma.

+ sobre o tema

Feminismo, empoderamento e solução: a singularidade de Karol Conka

Sucesso indiscutível entre a crítica e os internautas, a...

Camila Pitanga é eleita Embaixadora Nacional da Boa Vontade

Atriz ganhou o título da ONU Mulheres Brasil e...

para lembrar

O depoimento dessa mãe é mais do que um debate: é uma aula essencial sobre feminismo

Ser mãe é daquelas coisas difíceis de explicar, gente:...

Guevedoces: o estranho caso das ‘meninas’ que ganham pênis aos 12 anos

Condição parece ligada a uma deficiência genética comum em...

O crack, a maternidade e o poder público

Adoção de crianças e, mais que tudo, adoção de...

Seminário internacional Brasil/EUA debate violência contra mulher

Evento aborda programas para homens autores de violência Do MPSP O...
spot_imgspot_img

Vamos a desprincesar! Reflexões sobre o ensino de história à partir da presença de María Remedios del Valle na coleção Antiprincesas

Lançada em 2015 em meio à profusão de movimentos feministas, a coleção de livros infantis Antiprincesas da editora argentina independente Chirimbote se tornou um...

O atraso do atraso

A semana apenas começava, quando a boa-nova vinda do outro lado do Atlântico se espalhou. A França, em votação maiúscula no Parlamento (780 votos em...

Homens ganhavam, em 2021, 16,3% a mais que mulheres, diz pesquisa

Os homens eram maioria entre os empregados por empresas e também tinham uma média salarial 16,3% maior que as mulheres em 2021, indica a...
-+=