‘Tivemos medo de errar’, diz coordenadora de Marina sobre política para religiões afro

A coordenadora nacional de promoção da igualdade racial da campanha de Marina Silva diz que sua equipe errou ao não detalhar políticas para religiões como o candomblé e a umbanda – questões consideradas de primeira importância por representes da militância afrobrasileira.

“Como Marina, sou protestante e não tinha um acúmulo de conhecimento sobre políticas específicas para religiões de matriz africana”, diz Valneide Nascimento dos Santos, em entrevista exclusiva à BBC Brasil.

Filiada ao PSB há 17 anos – “meu primeiro, único e último partido” -, Santos demonstrou diversas vezes admiração pelo ex-presidente Lula, criador de políticas como o Brasil Quilombola (destinado a comunidades tradicionais) e das cotas para estudantes negros em universidades.

“Se [o governo Marina] vai ser melhor que o de Lula, não sei. Queremos que seja no mínimo igual”, afirma.

Em conversa por telefone, a coordenadora de campanha adianta que a política de cotas raciais de Marina deve ter horizonte máximo de 10 anos.

“Não quero que meus filhos e netos sejam cotistas daqui a 20 ou 30 anos”, diz.

BBC Brasil: Que acha das críticas sobre as políticas de Marina para religiões de matriz africana?

Valneide Nascimento dos Santos: Não detalhar foi um erro nosso. Como a Marina, eu que sou a coordenadora nacional sou protestante e não tinha um acúmulo de conhecimento sobre políticas específicas para religiões de matriz africana. Então deixamos para os militantes do PSB de Salvador e da coligação que viessem somar posteriormente. Não foi uma falha do programa, foi uma falha nossa enquanto ativistas negros. Nós deixamos de colocar porque não tínhamos um entendimento sobre como deveria ser, na época.

BBC Brasil: Então o programa será alterado?

Valneide: Não. Se você pegar o programa, já estão incluídas as políticas. O que falta é o detalhamento. Faltou o compromisso com religiões africanas, que nós sabemos que são muito perseguidas pelos evangélicos. Sabemos de terreiros no Rio de Janeiro que foram tocadas fogo. Não queremos que isso se repita. Eu, que estou na coordenação, Marina, que é evangélica, e alguns companheiros, que são da academia, não temos acúmulo de conhecimento. A gente ficou com medo de errar e ter problemas futuros, entendeu?

BBC Brasil: Quais são os comentários de Marina em relação à liberdade religiosa?

Valneide: Ela reconhece a dificuldade do povo de religiões africanas em participar de uma política com mais atuação e visibilidade. Ela mostrou em todas as conversas vontade de fazer as pessoas verem a importância desses cultos como os demais cultos da sociedade. Ela sempre demonstrou abertura em todos os sentidos, não só ela como o Eduardo [Campos]. Eles sempre falaram a mesma língua.

BBC Brasil: Marina diz querer manter a política de cotas raciais “como política emergencial, temporária, com data para terminar”. O que significa ser “temporário e com data para terminar”?

Valneide: Nós defendemos cotas com data de dez anos. Dez anos dá para fazer uma avaliação. Não defendemos cotas permanentes, vemos isso como retrocesso.

BBC Brasil: Qual será o horizonte final da política de cotas raciais?

Valneide: Não tenho uma data para falar. Defendemos no máximo 10 anos.

BBC Brasil: As cotas de universidades começaram no início do governo Lula. Não se passaram 10 anos?

Valneide: Você vê que na UNB começou a acabar. Já está sendo discutido, a cada ano diminuem as vagas para negros e negras e estão entrando as cotas sociais, que é algo que acreditamos que vai prevalecer futuramente.

BBC Brasil: Muitos ativistas do movimento negro dizem que racismo não tem a ver com pobreza.

Valneide: Tem muitos negros e negras que não defendem cotas para negros, em espécie nenhuma. A gente respeita a opinião de todos, mas tem que respeitar também o partido e a proposta da coligação. Tem que acreditar e ver para crer. É igual Bolsa Família. Concordamos com ele, mas não podemos deixar ter neto e bisneto de Bolsa Família. Não quero que meus filhos e netos sejam cotistas daqui a 20 ou 30 anos.

BBC Brasil: Qual será a política para quilombolas?

Valneide: O governo do presidente Lula, em 2003, avançou muito. Criou a esperança, abriu portas para todos nós para o reconhecimento e a titularização [das terras quilombolas]. Lula foi o cara que criou o “Brasil Quilombola”. A presidente Dilma não avançou em nada, parou. Queremos dar continuidade ao “Brasil Quilombola’ que o Lula criou. Não é copiar e colar, é dar continuidade a algo que está dando certo.

BBC Brasil: Se a ideia não é copiar e colar o programa de Lula, qual será a diferença?

Valneide: É dar continuidade ao que o presidente Lula com muita sabedoria criou e Dilma engavetou.

BBC Brasil: A senhora faz duras críticas à Dilma Rousseff e muitos elogios a Lula. O governo Marina em relação ao movimento negro será melhor que o de Lula?

Valneide: Se vai ser melhor, não sei. Queremos que seja no mínimo igual. Vamos abrir as portas para o movimento negro e ouvir. Foi o que Lula fez. A nossa defesa com Marina, e ela participou do governo Lula, é que a população negra seja ouvida, não queremos ser só coadjuvantes. Não vamos só votar, queremos ser votados e participar da gestão. Dilma não abriu para a sociedade.

 

Leia Também:

 As cotas para negros: por que mudei de opinião por William Douglas, juiz federal (RJ)

Fonte: DCM

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