Nasci na rua Bambina, no bairro carioca de Botafogo. Bambina, todos sabem, é menina em italiano. Aprecio a sonoridade dessa palavra e sua proximidade com bandolim, bambolê, bamba. Mamãe quase me teve dentro do elevador do hospital, segundo relato do meu pai que excelente contador de histórias era um exagerador. Ainda de acordo com ele, uma enfermeira afirmou: Em noites de lua cheia as crianças têm pressa em nascer.
Por Fernanda Pompeu, do Yahoo
O hospital da rua Bambina existe até hoje, chama-se Samaritano. Palavra que designa aquele que é bom, caridoso, cuidador. Quarenta anos depois do meu apressado nascimento precisei tirar um pólipo da bexiga. Por suposto, pólipo tem som e significado desagradáveis. Já o órgão bexiga remete a algo lúdico, infantil, festivo.
A graça, se há, é que a retirada da excrescência foi no Hospital Samaritano, dessa vez o paulistano, na Conselheiro Brotero, Higienópolis. Achei que morreria: Nasci no hospital Samaritano, nada mais coerente do que morrer no hospital do mesmo nome. Você com razão vai perguntar: Qual a lógica desse pensamento? Respondo: A lógica do medo da morte – a grande paúra.
Aliás paúra é outra palavra italiana. Bem mais concreta do que medo, uma vez que remete à dor de barriga e tremedeira. Ontem, ao relembrar essa história de nascer e morrer no Samaritano, uma amiga observou: Seria redondinho demais. A morte nunca vem ordenada. Ela tem razão, há bagunça na morte. Também, mais acasos do que coincidências.
Todo o lero desta crônica é para ressaltar o saber e o sabor dos nomes. Anoto que saber e sabor têm a mesma origem etimológica. Todo saber tem sabor, todo sabor é um saber. Nomes podem soar salgados, doces, agridoces. Atrás da minha casa de infância erguia-se o morro do Borel. Por anos saboreie a sonoridade da palavra. Especulava: deve ser nome de um pássaro ou de uma árvore.
Recente abri o Dicionário da História Social do Samba, do Nei Lopes e Luiz Antonio Simas. Descobri que o Borel chama-se assim por conta de ser o sobrenome dos donos da fábrica Fumos de Rapé de Borel e Cia, cujos trabalhadores iniciaram a moradia no morro. Decepcionei-me. Compreendi que às vezes é bem melhor ficar com sabor do que com o saber.
imagem: Régine Ferrandis