Toda água do mundo vem do choro de uma deusa negra chamada Ombela

Gostaria de compartilhar com vocês uma publicação feita por uma jovem negra de 20 anos, estudante de jornalismo, do Rio de Janeiro. Vejam que coisa tocante:

enviado por  Rute Noemi Souza via Guest Post  para o Portal Geledés

“Yaminaah Abayomi

Esses dias inventei um adorno novo para botar na cabeça, uma coroa feita de miçangas que imitavam madeira. Saí com a coroa me sentindo especial e conectada com as minhas raízes e minhas africanidades.

Num dado momento do dia, peguei o metrô. Sortuda, consegui um lugar para sentar. Ao meu lado, no mesmo assento, estavam duas irmãs pequenas e tagarelas, de uns 6 e 8 anos, eu chutaria. A mãe delas estava de pé ao meu lado. Uma das pequenas disse pra outra “nossa que menina feia”.  A outra respondeu “é, ela é muito feia mesmo”. Na hora, olhei para a mãe das crianças, que acompanhava tudo e nada falava.

Minha ~~sabedoria~~ de quase 20 anos me diz que toda vez que alguém me chama de feia, muito provavelmente ela o faz por motivos raciais. Levou um tempo, mas eu já descobri a minha beleza.

Apesar de saber que eu sou muito bonita e que aquelas crianças estavam falando bullshit, algo ainda me incomodava profundamente naquela situação. Não tinha a ver precisamente com as meninas, mas sim com a mãe omissa. Por que ela não achava nada de mais aquilo tudo? Por que ela não interveio?

Eu poderia ter reclamado com ela, com as crianças, ou o que quer que fosse, mas me perturbava que a minha defesa precisasse partir de mim. Qualquer mulher ficaria incomodada pelo xingamento, pois a auto-estima feminina é incrivelmente frágil – e isso não é mistério para ninguém.

Quis chorar. Não por ser feia, mas pelo abandono. Sabia que não podia. Lembrei de ter conversado com uma amiga que me contou ter recebido da mãe a recomendação de não chorar. “Não chora porque você é preta, menina preta não chora”. Não chorar pode parecer empoderador, na medida em que firma uma posição de resistência frente ao racismo, mas, ao mesmo tempo, é desempoderador, uma vez que a caricatura da mulher negra é a do ser de aço, forte como ferro, imbatível.

As escravas negras eram obrigadas a amamentar os filhos brancos das sinhás, pois acreditava-se que o seu leite era mais potente. E, para quem achar que esse raciocínio já caiu por terra, ainda no verão de 2015 eu escuto que não preciso me preocupar com o sol, porque sou negra, e minha pele é resistente; ou que meu cabelo é mais “grosso” – quando, na verdade, é exatamente ao contrário, minha pele é a mais sensível e o meu fio, o mais fino.

Uma vez, li um livro infantil que dizia que toda água do mundo tinha vindo do choro de uma deusa negra chamada Ombela. As águas salgadas eram as lágrimas de tristeza e as doce, de alegria.

Acho que era só uma lenda, mas às vezes é por isso que tem tanta gente passando seca por aí.”

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