“Todos os meus amigos morreram do meu lado ” disse sobrevivente do virus ebola

Por:Sandy Iuke Medeiros

No último dia 22 de julho, o médico liberiano Melvin Korkor recebeu o que classifica de “a pior notícia” de sua vida. Um teste mostrava que ele havia sido contaminado pelo vírus do Ebola, que já matou quase mil pessoas e obrigou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a decretar, na sexta-feira, estado de emergência internacional.

Korkor foi um dos raros casos de sobreviventes e, em entrevista por telefone ao Estado, diz que a única explicação é que viveu um “milagre”. Acostumado com um país em guerra, o médico conta que nunca se sentiu tão ameaçado como quando o resultado de seu exame de sangue chegou. Ele permanece em isolamento, mas comemora a cura. Korkor foi o único de seu hospital que sobreviveu.

O médico de Monróvia, porém, não deixa de atacar a comunidade internacional por ter abandonado a África por tanto tempo. “Se essa doença existisse nos Estados Unidos ou na Europa, amanhã haveria uma solução para ela. Há 40 anos todos sabem que existe o Ebola. Mas sabe qual o problema? É que está na África.”

Como o senhor contraiu a infecção?

Eu estava no meu hospital, em Monróvia, e vi uma mulher que chegava, trazida pela polícia. Ela havia escapado do isolamento de um outro hospital e estava fugindo. Mas ela estava com o Ebola e, desde o primeiro minuto, eu alertei a todos que deveríamos ter muito cuidado. Mas não adiantou. Nos dias seguintes, eu, outros médicos e enfermeiras ficamos com febre.

E qual foi o procedimento neste momento?

Fizemos testes imediatamente e descobrimos que seis de nós tínhamos contraído a doença. Fomos colocados logo em seguida em uma ala isolada do hospital. Foi a pior notícia que já recebi na minha vida.

O que o senhor sentia?

Uma febre alta que não cedia por nada. Tomava remédios e não havia nada que a fizesse baixar. Sentia também dores no corpo, dores na garganta e também no abdome. Por sorte, não tive sangramento, que é o que mais mostra que a doença está ganhando terreno.

O que passou pela cabeça do senhor quando se deu conta de que estava contaminado?

A primeira coisa que veio à minha mente era que, pela primeira vez, eu estava de fato entre a vida e a morte. Sabe, tivemos uma guerra na Libéria. Mas eu nunca tinha me sentido mais ameaçado do que naquele momento. Era pior do que saber que existe uma guerra. É uma guerra dentro de você. Eu tinha 10% de chance de sobreviver.

E por que o senhor acha que sobreviveu?

O primeiro motivo que ajudou foi ter sido diagnosticado rapidamente. Mas outro motivo é que eu pensei que teria de ser totalmente cooperativo para poder superar e ganhar a luta contra o vírus. O que eu fiz foi me alimentar muito para ajudar o organismo a reagir e ter imunidade. Também bebi 12 garrafas de água por dia. Mesmo assim, cheguei a ficar em estado grave.

Por quanto tempo o senhor ficou em estado grave?

Por quatro dias. Para complicar, eu ainda não conseguia dormir. Tinha na minha cabeça que eu precisava lutar. E, para completar, o que eu via onde eu estava era horrível. As pessoas morrendo à minha volta e a cada hora. Era desesperador. Das seis pessoas do meu hospital que contraíram a doença, eu fui o único que sobreviveu. Todos os meus colegas morreram ao meu lado. Eu e todos naquela sala sabíamos, quando eu saí, que um milagre tinha acontecido.

O senhor mudou depois de viver isso?

E quem não mudaria? Eu passei a rezar muito mais, a dar valor a Deus. Sou médico. Mas sei que eu vivo porque houve um milagre.

Na sexta-feira, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o Ebola emergência mundial. O que o senhor acha que isso vai mudar no combate à doença?

Isso deveria ter acontecido há meses. A verdade é que, se essa doença existisse nos Estados Unidos ou na Europa, amanhã haveria uma solução para ela. Há 40 anos todos sabem que existe o Ebola. Mas sabe qual o problema? É que esta doença está na África. Só africanos morrem dela. Se fosse no Ocidente, a medicina já teria uma solução. Vamos ser claros: só não existe solução para o Ebola porque ele só mata africanos. Olha o que está acontecendo nos Estados Unidos. Assim que dois americanos foram contaminados, já se fala em um remédio experimental.

Quais cuidados o senhor está tomando agora?

Estou ainda na fase de quarentena. Estou isolado, mas me sinto bem e quero voltar a trabalhar. Por sorte, minha família também está bem. Eles também ficaram de quarentena e, a partir de segunda-feira (amanhã), já estarão liberados. É um grande alívio.

Qual é a maior dificuldade hoje para os hospitais da Libéria ao tratar dos doentes do Ebola?

Na verdade, falta o básico. Não estamos esperando um remédio. O que estamos lutando hoje ainda é para que os hospitais tenham comida. Só isso já salvaria muitas vidas. Em muitos hospitais, os pacientes comem apenas uma vez por dia. Não há organismo que resista.

Fonte: Sandy Iuke Medeiros

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