O padrão ocidental de beleza é obviamente racista – um fato inevitavelmente observado em todos os contextos relacionados a aparência física. São raras as celebrações da negritude, sobretudo quando as pessoas em questão são mulheres. Infelizmente, é muito comum passar as páginas de revistas e catálogos de cosméticos ou assistir programas inteiros de televisão sem encontrar representações de mulheres negras como belas, nem mesmo nos comerciais e propagandas. E apesar de haver alguns exemplos de mulheres negras famosas no Brasil e no mundo que são consideradas lindas, a beleza negra presenciada na mídia parece, na maioria das vezes, se enquadrar nos específicos critérios dos “traços finos”.
São cabelos que até podem ser cacheados – mas nunca armados -, lábios que não devem ser muito grossos e narizes afilados e “delicados”. Só assim as mulheres negras estarão dentro do padrão de beleza. Esse filtro, no entanto, é extremamente excludente: no Brasil e no mundo, há muitas etnias e variações genéticas que resultam em traços distintos, que claramente não podem ser todos compatíveis com o que a sociedade considera bonito. Essa separação do que é permitido no mundo da beleza acaba gerando uma hierarquização da própria negritude, discriminando aquelas que possuem cabelos crespos e volumosos, mas dando permissões limitadas às mulheres negras de rosto mais fino e cabelos com cachos mais definidos.
A cultura dos “traços finos” é uma tentativa de “higienização” de todo um grupo racial que já há muitos séculos é retratado como indesejável. A expressão livre e desimpedida da negritude é repudiada e, portanto, sua aparência física também é podada e as mulheres cujos traços não são finos acabam sendo hostilizadas. Aquelas que conseguem enfrentar os parâmetros da indústria da beleza e amam suas características físicas, sem recorrer a modificações corporais como rinoplastias e alisamentos, são verdadeiras guerreiras que resistem fortemente para manter a autoestima. Essas mulheres, que passo a passo buscam a politização e o fortalecimento da percepção de si, levam suas características faciais e corporais a um patamar transformador que repercute em todas as esferas sociais. É a resistência e o empoderamento dessas mulheres que criam caminhos por onde a desintegração do racismo pode trilhar e acontecer.
Com essa importante reflexão, é possível virar a mesa e jogar com as palavras originalmente usadas para oprimir. Ao invés de reproduzir a ideia dos “traços finos” desejáveis, deve entrar em cena a exaltação dos “traços em negrito“: fortes, escuros e evidentes. A beleza da negritude, afinal, pode e deve existir em muitos tons, tamanhos e pluralidades.
Foto de capa: Rand Snyderman
Fonte: Questão de Gênero