Transição energética não pode repetir injustiças históricas

Cá entre nós, no Brasil, o modelo de desenvolvimento não apenas produz desigualdades sociais e raciais — ele depende delas para funcionar. A injustiça e a discriminação estão presentes tanto na forma como os recursos ambientais são concentrados quanto na maneira que os efeitos da degradação são distribuídos.

Os efeitos causados pela crise climática são globais, mas sabemos que uma parcela significativa da sociedade é mais afetada: a classe trabalhadora (negra). Para encarar as emergências do clima, é fundamental conectar as discussões entre o campo climático e o sindical, garantindo que os trabalhadores estejam no centro do debate.

Isso inclui a questão da transição energética. Esse é o nome que damos ao processo de substituição das fontes de energia poluentes, como o carvão, o petróleo e o gás, por fontes renováveis e mais limpas, como a solar, a eólica e a biomassa.

Essa mudança busca reduzir as emissões de gases do efeito estufa, combater a crise climática e promover um sistema energético mais sustentável. Ela fundamenta-se, em teoria, em estabelecer uma matriz energética que não seja dependente de combustíveis fósseis para a geração de energia, firmando um alto investimento em formas de “energia renovável”, “energia verde”, “de baixo carbono” e/ou de “energia limpa” – em especial solar e eólica, além da utilização de veículos elétricos. A transição energética também envolve repensar como a energia é produzida, distribuída e consumida, garantindo acesso justo e seguro para toda a população.

Como escrevi acima, a degradação ambiental afeta diretamente as condições de trabalho, a saúde dos trabalhadores e a segurança de comunidades inteiras, especialmente aquelas mais vulnerabilizadas. Por isso, os sindicatos têm um papel fundamental na construção de uma transição ecológica justa, que proteja empregos, garanta direitos e promova alternativas sustentáveis nos setores produtivos. 

A luta sindical e a defesa do meio ambiente estão profundamente conectadas, especialmente diante das mudanças e adaptações impostas pela crise climática.

Ao incorporar a agenda ambiental às suas pautas, os movimentos sindicais fortalecem a luta por justiça social e contribuem para um modelo de desenvolvimento que respeite os limites do planeta e a dignidade do trabalho.

A agenda para uma economia verde e de baixo carbono não deve repetir as desigualdades históricas. Não por acaso, os empreendimentos ligados à chamada “energia limpa” são frequentemente instalados em territórios de comunidades tradicionais — indígenas, quilombolas, pesqueiras — ou em áreas historicamente marginalizadas, onde direitos básicos são violados e se agravam os conflitos fundiários e socioambientais. A discriminação racial funciona como peça-chave para justificar essas invasões territoriais.

Nosso ponto de virada não será a COP30 na Amazônia. Ter essa linha de chegada como promissora é se agarrar a uma ilusão, porque a agenda hoje já se mostra sem forças nas frentes políticas do país. E fica a pergunta: se essa é uma agenda importante para as discussões de negociações internacionais, por que internamente esse tema não avança?

O Sul Global continua sendo tratado como uma fronteira a ser explorada — agora sob um novo consenso: a ideia de que a “salvação” da humanidade virá pela “descarbonização”. Essa narrativa tem servido para legitimar projetos que intensificam a exploração dos bens naturais e aprofundam as desigualdades sociais.

Essa conversa precisa ser cada vez mais aprofundada e levantada por vários setores, que precisam estar nas mesas de construção de políticas públicas. Para ajudar, essa semana foi lançada a publicação “Diálogos sobre Trabalho e Clima”, produzida a partir da pluralidade do olhar e da vivência de trabalhadores, pesquisadores, lideranças sindicais, especialistas e ativistas pelo clima. O material reúne artigos com reflexões e diálogos que apontam caminhos possíveis para uma transição justa no Brasil, em que os trabalhadores e trabalhadoras estejam na linha de frente da tomada de decisões. Ela já está disponível no site www.aurora-lab.org.


Mariana Belmont – Jornalista e assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra, faz parte do conselho da Nuestra América Verde e da Rede por Adaptação Antirracista. E organizadora do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil” (Oralituras, 2023).

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