Tribunal de Justiça de São Paulo e Supremo Tribunal de Justiça (STF) aceitam parecer jurídico sobre abate religioso

As ações de defesa têm o comando do jurista Hédio Silva Jr (ex-secretário de Justiça e Cidadania de SP). Os processos são considerados por sacerdotes e sacerdotisas, como atos de intolerância religiosa.

Por Thays Andrade No Portal Africas

Agência Áfricas de Notícias – por Claudia Alexandre

Reportagem e Foto: Cris Molina/Central de Comunicação

Esta foi uma semana de grandes vitórias para toda a comunidade praticante e simpatizante das religiões afro-brasileiras que lutam contra a intolerância religiosa no Brasil. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, aceitou o pedido feito no dia 9 de março para inserir um memorial técnico,  preparado pelo jurista e ex-Secretário da Justiça e Cidadania do Estado de SP, Dr. Hédio Silva Jr., nos autos do processo contra o abate religioso nos cultos de matriz africana em Porto Alegre. Além disso, os líderes poderão ocupar a tribuna durante o julgamento, que ainda não tem data definida. Na ocasião, o advogado e uma comissão de sacerdotes e sacerdotisas foi recebida pessoalmente pelo ministro, gabinete em Brasília.

Na tarde de quarta-feira, 26, em audiência no TJSP, onde seria julgado o processo que visa a proibição do abate religioso em Cotia,  o relator Salles Rossi solicitou aos vinte e cinco Desembargadores que compõem o Órgão Especial da Corte do Tribunal de Justiça de SP, que retirassem o processo da pauta, para que possa reavaliar o caso. O pedido de julgamento na instância Estadual foi feito pelo Prefeito e pelo Presidente da Câmara de Cotia, que visavam a aplicação de multa aos terreiros por prática de abate religioso, com ameaça de fechamento do mesmo.

Acompanhando de perto o julgamento, estiveram o babalorixá Alabiy Ifakoya (Cotia), as ialorixás Luciana Bispo, Liliana Silva de Araújo e Mãe Sinha, da Casa Branca, Salvador (BA),  considerado o primeiro terreiro de Candomblé fundado no Brasil. Além disso, mobilizados pelas mídias sociais,  vários seguidores e representantes de Umbanda, Candomblé e outras denominações de matriz africana lotaram a plenária do TJSP.

Religião Afro-brasileira nos tribunais

Dr. Hédio Silva Jr., atua na defesa dos dois casos com os advogados Antônio Basílio Filho e Jader Freire de Macedo Jr. “A decisão do relator do Tribunal de Justiça de São Paulo significa que teremos que aguardar uma nova análise do caso, que será julgado em outra data, informada pelo Diário Oficial”, explicou Dr. Hédio, que considerou o resultado uma vitória, uma vez que não houve uma decisão contrária aos argumentos apresentados pela equipe do jurista.

“Sem informação, argumentos sólidos, intervenção qualificada e unidade na ação, a intolerância religiosa continuará induzindo as pessoas a esquecerem a carnificina que sustenta açougues, rodízios, grandes redes de lanchonetes como MC Donald’s, bolsas da Louis Vuitton, botas e sapatos de couro e o lucro das empresas. Carnificina esta que em nada se parece com o abate ritualístico de animais praticado em nome da fé!”, argumenta o ex-Secretário de Justiça.

Dr. Hédio também observou a participação dos representantes e a mobilização de religiosos de matriz afro de todo o país, que têm apoiado o andamento dos casos. “Essa união é fundamental para mostrar que estamos dispostos a lutar por nossos direitos, mesmo estando reunidos em silêncio numa sala”, disse o jurista.

O jurista disse ainda que mesmo que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo seja à favor da Lei de Cotia, cabe recurso e que a equipe está disposta a lutar contra o fim da intolerância religiosa. “É curioso ver uma decisão que quer acabar com o abate religioso, mas não com o abate comercial, este sim muitas vezes realizado ferindo a legislação ambiental”, explicou Dr. Hédio.

Pai Alabiy, de Cotia, um dos principais responsáveis pela articulação do movimento em defesa da liberdade de cultos, ficou emocionado com o resultado e disse que a audiência foi importante,  não apenas para mostrar a união da religião, mas a competência de uma equipe que sabe o que fala e faz, ao se referir à forma como o processo tem sido conduzido pelos advogados.

O caso e a intolerância religiosa

Dr. Hedio tem se tornado referência na defesa dos direitos da religião de matria africana no Brasil. Foi ele  quem conseguiu derrubar a lei de Cotia no final de 2016, que proibia o uso científico de animais, punindo o abate religioso com multa no valor de R$ 704,00. Para o jurista, a decisão do PSOL, partido que propôs a ação no TJSP, é um precedente causado pelo processo que encontra-se no Supremo Tribunal Federal, que julgará ainda este ano a proibição do abate religioso no Rio Grande do Sul.

O advogado explica que, ao contrário do abate comercial, o abate religioso praticado por judeus, muçulmanos e fieis das Religiões Afro-brasileiras utiliza um método, de acordo com exigência prevista na Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Além de ser sacralizado, o animal depois de morto é preparado e serve de alimento para os seguidores.

Judeus e muçulmanos praticam abate religioso como preceito alimentar (alimentação kosher/judaica e halal/islâmica), mas também como preceito 2 litúrgico, visto que na Kaparot (judaica) e na Eid al Adha (islâmica), onde é tradicional o abate ritualístico de animais. Também as Religiões Afro-brasileiras celebram o Etutu (ritual de oferendas) em observância ao itan (preceito) ao orixá  Orunmila-Ifá denominado ebo riru (sacrifício), sendo que o alimento resultante do abate, o apeje ou sara é consumido pelos fieis e pela comunidade que circunda os terreiros.

“Decretos federais, estaduais e normas do Ministério da Agricultura regulamentam o abate religioso em nosso país e a prática em nada contraria as leis ou a Constituição Federal”, defende Dr. Hédio, que se preocupa com a intolerância religiosa que vem assolando o país.

 

HÉDIO SILVA JR.é advogado e ativista histórico. Foi secretário da Justiça do Estado de São Paulo e é um dos mais respeitados  defensores da cultura e das religiões de matrizes africanas. Em 2016, foi homenageado com o Troféu Asé Isesé (A força dos nossos ancestrais) conferido pelo Centro Cultural Africano à lideranças religiosas e personalidades públicas que se destacam na luta contra a intolerância religiosa.

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