TSE vê elemento étnico e cultural e libera foto de candidato com boné

Debate surgiu após 2ª instância vetar imagem da urna enviada por Douglas Belchior

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) discutiu um caso que, à primeira vista, nada tem a ver com as eleições: o boné é um enfeite ou uma roupa típica das periferias urbanas?

A resposta, contudo, teria impacto direto na foto da urna que será usada por Douglas Belchior —candidato a deputado federal pelo PT-SP— e pode alterar o entendimento de outros casos semelhantes.

Nas primeiras decisões, prevaleceu o entendimento de que o boné é um adorno. Como consequência, o candidato não poderia usá-lo na sua foto de urna, já que a lei proíbe esse tipo de adereço.

Em recurso julgado pelo TSE nesta terça (13), porém, o ministro Sérgio Silveira Banhos divergiu das instâncias inferiores e liberou a peça, considerando que ela se enquadra nas situações autorizadas pela legislação.

O impasse surgiu porque, na foto original apresentada pela campanha de Belchior, ele traz na cabeça o boné de aba reta que quase sempre está usando. Basta uma pesquisa por seu nome no Google imagens para comprovar.

Só que a Justiça, a princípio, viu na atitude desrespeito à resolução 23.609/2019 do TSE. Ela estabelece que a imagem da urna deve ser: “Frontal (busto), com trajes adequados para fotografia oficial, assegurada a utilização de indumentária e pintura corporal étnicas ou religiosas, bem como de acessórios necessários à pessoa com deficiência”.

Em seguida, diz: “Vedada a utilização de elementos cênicos e de outros adornos, especialmente os que tenham conotação de propaganda eleitoral ou que induzam ou dificultem o reconhecimento do candidato pelo eleitorado”.

Para o desembargador Silmar Fernandes, relator do caso no TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo), o boné não é indumentária; deve ser tomado como adorno que traz prejuízo ao livre exercício do direito ao voto.

“Caso fosse permitida a utilização da fotografia pretendida, haveria, além da já mencionada afronta ao livre exercício do voto, também ao princípio da isonomia, com tratamento privilegiado ao agravante”, afirma Fernandes.

Candidato Douglas Belchior (PT) sem boné, em foto alternativa – Divulgação

O advogado Fernando Neisser, que atua em favor de Douglas Belchior, recorreu ao TSE, argumentando que o boné se vincula à identidade sociocultural do candidato e que a resolução da corte eleitoral assegura a utilização de indumentária.

“Isto é, elementos, roupas, utensílios que remetem à determinada identidade de um povo ou de um grupo social”, diz. “É importante destacar que, erroneamente, muitas vezes associamos à palavra ‘indumentária’ somente às vestimentas características de grupos étnicos específicos (…) e nos esquecemos da interculturalidade existente nos centros urbanos brasileiros”, afirma.

Na decisão liminar (provisória e urgente), o ministro Banhos aceitou a tese de Belchior.

“Reputo relevante a assertiva de que a utilização do acessório pelo candidato, que tem origem afrodescendente e é engajado na cultura rapper, está diretamente ligada à sua própria imagem perante o eleitorado, o que, em princípio, pode ser considerado elemento étnico e cultural, que se enquadra no permissivo legal”, afirma.

Belchior, também conhecido como Negro Belchior, mora no Jardim Santa Luiza, em Poá, na região metropolitana de São Paulo, e é cofundador da Uneafro Brasil e membro da Coalizão Negra por Direitos.

Atua como educador na periferia e se engaja há muito tempo no combate ao racismo. Para ele, valorizar elementos da cultura negra faz parte dessa luta.

O professor Hélio Santos, um dos principais ativistas da causa racial no país, reforça o ponto. “Os homens negros, jovens, usam bonés; os professores periféricos negros também. Douglas Belchior é um educador periférico e foi assim que ele construiu a sua imagem, usando boné.”

Na visão de Santos, como TSE tem feito esforços para que as eleições contemplem todos os grupos, barrar o boné entraria em colisão com esse entendimento recente da corte.

No mês passado, num impasse semelhante, o TRE-PA (Tribunal Regional Eleitoral do Pará) vetou uma fotografia apresentada por Livia Noronha, candidata do PSOL a deputada estadual. Ela afirmou que o problema seria o uso do turbante na imagem.

Alguns dias depois, porém, o TRE-PA afirmou que se tratava apenas de uma questão de enquadramento. Com o envio de nova foto, a situação foi resolvida –com o turbante na cabeça.

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