Ultrapassando as soleiras da velhice com saúde e autonomia

Envelhecer, em si, não tem sido problema, apenas uma espera que encarei com naturalidade e amando meus cabelos brancos, como falei em “O poder grisalho é só para quem tem coragem e teimosia” (O TEMPO, 2.11.2010).

Não crendo no elixir da juventude e na contramão da uma sociedade obcecada pela eternização da juventude, vi a velhice chegar com serenidade e sensibilidade pela sofrença de pessoas idosas com doenças e perda da autonomia, meu único temor como “mulher difícil”– que manda na própria vida (“Difíceis, empoderadas e felizes”, O TEMPO, 31.5.2006).

Como médica, sei dos significados da velhice dependente de cuidados. Por alto, elenco algumas crônicas que garatujei abordando o tema: “Cuidadora familiar” (4.2.2004); “Um pacto civilizatório para os cuidados na infância e na velhice” (13.3.2012); “Infância e velhice descuidadas atestam descaso e crueldade” (20.3.2012); e “A velhice maltratada, roubada, abandonada e vilipendiada” (15.1.2013). Todas publicadas em O TEMPO.

Todavia, nenhuma causou mais impacto do que “O Estado brasileiro doou a minha vida para os bancos!” (20.5.2014), que gerou a reportagem impecável de Queila Ariadne: “Alô, aposentado, que tal você conhecer o Leste Europeu?” (O TEMPO, 1º.6.2014).

A repercussão da crônica foi robusta entre aposentadas, de quem recebi alguns e-mails, a maioria de chorar, relatando as agruras da aposentadoria sob a batuta da exploração familiar… Em muitas famílias, ter uma pessoa aposentada é renda extra para consumo geral!

Muitas aposentadas vivem penduradas no empréstimo consignado para “ajudar” a filharada inconformada em surrupiar apenas os trocados da aposentadoria e/ou da pensão mensalmente, às vezes deixando a mãe passar necessidades, inclusive de alimentação, para prover vida fácil para o resto da família! Uma disse-me que o discurso das bancárias do setor do INSS é copiado da vida real: “Mãe, deixe de ser egoísta, a gente precisando, a senhora pode e não quer ajudar!”.

Uma professora universitária aposentada há muitos anos, pensionista há dez, divide a razoável pensão do marido entre as três filhas, por exigência absoluta delas, que dizem que ela não precisa de tanto dinheiro! Fez empréstimo consignado três vezes para que elas trocassem de carro! Por último, não permitem que ela faça excursões, como era acostumada a fazer. “Nada de preocupação saudável, não! É para sobrar mais para elas!”. Agora, ameaçando-a de interdição judicial, querem que venda o bom apartamento em que vive e vá morar num “residencial de idosos”.

Telefonei para prestar solidariedade diante do serpentário em que ela vive, apesar da lucidez, da independência financeira e da autonomia: mora sozinha, dirige seu carro, faz a sua comida quando quer, mas em geral pede comida pronta, vai ao cinema e ao teatro com frequência, adora ler e, depois dos 76 anos, conta com uma acompanhante que dorme com ela.

Finalizou contando que tem uma faxineira, uma vez por semana, que é aposentada e não sabe a cor do dinheiro, pois um filho é “dono” do cartão dela e, mal paga um empréstimo, faz outro! E arrematou: “Ter aposentado na família, do salário mínimo aos muitos mil, o meu caso, é meio de vida fácil para a exploração familiar. A única vantagem é que a qualquer espirro levam a gente ao médico, mas não é por amor, é só cuidado com a galinha dos ovos de ouro!”.

Resta comer bombom, como disse Carlos Drummond de Andrade: “Há duas épocas da vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombom”.

Fonte: Otempo

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