“Um beijo do negão”: Nem toda representatividade é positiva

Abel Neto é um dos poucos jornalistas negros da Rede Globo (acho que da inclusive para contar nos dedos de uma mão só quantos são), ele estava apresentando o programa Globo Esportes, nos últimos dias e não sei por qual motivo, talvez numa tentativa de imitar Jô Soares, resolveu mandar no final do programa o seguinte recado:

“Um beijo do Negão”.

Por Stephanie Ribeiro, no Imprensa Feminina

Acredito que Abel assim como muitos negros que conseguem alcançar determinada visibilidade e espaço no seu meio de trabalho, acabam se esquecendo que mesmo que eles não queiram, estão representando a população negra do país, e ele no caso num horário de bastante audiência na rede de tv mais assistida nacionalmente.

Eu sei que ninguém é obrigado a ser militante, porém como Maria Julia Coutinho disse após agressões racistas que sofreu por ser a jornalista da Previsão do Tempo do Jornal Nacional, a militância dela acaba sendo o seu trabalho. Por mais que Abel ache que foi um simples recadinho, ele contribuiu para a manutenção do imaginário racista que associa o homem negro ao “negão”, uma conotação que como muitas dessas que demostram preconceito racial, hiperssexualiza indivíduos negros. E antes que alguém acredite que isso é positivo, não, não é. Tanto que homens negros acabam infelizmente comprando essa ideia que ser associando a coisas como “ter pau grande”, ser “pegador”, são boas e se escondem atrás disso para não discutirem sua autoestima que também é destruída pelo racismo. Consequentemente acabam seguindo o esteriótipo do homem negro fechado e que “não sente” nada, não debatendo entre eles e não se abrindo nem para ajudas externas como terapias, alguns por isso acabam num quadro de depressão que culmina principalmente no alcoolismo.

Enfatizo que o espaço que Abel ocupa, assim como de Maju, foge do “lugar” que o negro geralmente é associado, sendo esses: samba/música, futebol e atualmente moda/estética. Ele é um jornalista, formado como tal, que tem uma currículo tão bom quanto os demais daquele espaço, mas se presta a um papel ridículo, por mera falta de empoderamento e autoestima, numa tentativa de agradar brancos. Comportamento que muitos negros seguem em algum momento ou ao longo da sua vida, que só demonstra como o racismo é cruel e destrutivo.

É muito complicado hoje se debater representatividade sem fazermos uma crítica a noção de que qualquer negro com visibilidade já nos representa cem por cento, independente do contexto e de suas atitudes, ou seja, dentro dessa ideologia “Sexo e as Negas” seria o máximo da representatividade possível. E não foi.

Reafirmar que a mulher negra ocupa papeis sociais e econômicos de “servir” e isso tanto no campo do trabalho quanto no sexual, não altera em nada a ordem vigente. Por mais que eu não veja problemas em ser empregada doméstica, como a maioria das personagens era no seriado citado, é importante ressaltar que esse tipo de trabalho é tão forte no Brasil por conta do seu passado escravocrata que muitos negam ou simplesmente não dão o peso certo disso para nosso contexto atual.

Sendo assim, se a maioria dos jogadores de futebol são negros não existe problema nenhum, entretanto temos que ter jovens negros sonhando além disso, e ai entra a representatividade, ela serve para que nós negros nos vejamos nos outros nossos semelhantes e possamos almejar assim como a branquitude faz com que brancos almejam, escolhas e opções enquanto indivíduos e não enquanto um coletivo que segue a mesma regra e tem um lugar já estabelecido, esse que foi delimitado pelo contexto social e racial onde impera a desigualdade.

Em outras palavras é importante um jornalista negro naquele espaço, mas Abel não pode jogar sua chance no lixo seguindo o comportamento esperado pela branquitude, tendo essas atitudes que afetam tanto ele quanto os demais negros. Independente do que ele ache, a fala dele vai colaborar para que homens negros continuem sendo sempre associados a sua “virilidade e desempenho sexual”, independente de Sexo e as Negas ter sido um seriado com quatro mulheres negras como protagonistas, as “negas” do dia a dia vão continuar sendo preteridas, ganhando os piores salários e ocupando os piores espaços na sociedade devido o machismo e racismo, sendo constantemente associadas a relações puramente sexuais. E por incrível que pareça, se essa ideologia for mantida da forma como está, fazendo negros acreditarem que “tudo bem isso” viveremos mais e mais anos onde o racismo constante e negado será nosso açoite coletivo diário.

Por isso Abel, eu desprezo o seu “beijo do Negão”. Espero que um dia você entenda que poder ser melhor que isso, um fantoche na mão da branquitude. Inclusive sinto até pena, pois o público está críticando suas atitudes, veja o link: http://bit.ly/1NA6qjz. Por puro racismo, pois quando era  Tiago Leifert com seu comportamento medíocre, mas com pele branca e olhos claros,  todo mundo elogiava e achava lindo.

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