Um lembrete: no Brasil, nenhuma religião se encontra acima da lei

Por: FÁTIMA OLIVEIRA

Ser escrevinhadora de O TEMPO é gratificante não só porque amo escrever e tenho pendores de memorialista – quando criança, ouvir histórias à noite era um programão -, mas pela interação. Em 4 de maio, publiquei “A riqueza da diversidade na experiência do sagrado” e, no último dia 6, um leitor de Fortaleza (CE) escreveu-me sobre a atualidade do tema para um conflito que vive.

“Meu nome é Sebastião Ramos. Sou autor de uma denúncia pioneira no Brasil, contra uma discriminação religiosa atípica, aceita pelo Ministério Público do Ceará, desde agosto de 2009 – a desassociação da Igreja Testemunhas de Jeová: uma espécie de excomunhão aplicada contra jovens, homens, mulheres e até pessoas idosas no Brasil e no mundo inteiro. A pessoa que passa pela desassociação, ou pede para sair, é isolada socialmente (…). Em abril deste ano, o Ministério Público denunciou à Justiça, por discriminação religiosa, os dois pastores que me desassociaram da referida religião”.

Em outro e-mail, recebi informações complementares: “DESASSOCIAÇÃO ocorre quando um membro é expulso por cometer um pecado (ou discordar do que é ensinado pelas Testemunhas de Jeová); e DISSOCIAÇÃO acontece quando um membro exerce seu direito de escolher outra religião. Em ambas, as pessoas com quem a afastada possui laços afetivos, se são testemunhas de Jeová, sejam da família ou não, passam a tratá-la como se ela não existisse ou nunca tivesse existido”. A tentativa é produzir uma morte social? É pior, é redução a nada: um dano à honra e à imagem.

O fenômeno é tamanho que foi criado o Fórum das Ex-Testemunhas de Jeová! Muita gente confunde a Igreja Adventista do Sétimo Dia com Testemunhas de Jeová. Durante anos e anos, eu não sabia diferenciar uma da outra. Antes, pontuo que não entro na polêmica de quem é igreja ou seita. É inútil, pois ter ou não ter uma religião é um direito constitucional no Brasil. Logo, devemos respeitar como religião qualquer ajuntamento de pessoas que professa uma fé deísta e se diga Igreja, Torre da Vigia, candomblé, umbanda etc. Instigada pelo e-mail do Sebastião, rememorei o que sabia sobre a religião Testemunhas de Jeová.

Em minha vivência em pronto-socorro, não é incomum encaminhar para a Justiça decidir sobre transfusão de sangue, que são contra. Tenho deferência pela autonomia de cada testemunha de Jeová, todavia, em cumprimento às leis do nosso país, entrego a decisão nas mãos da Justiça, que jamais deixou de autorizar ministração de sangue sob prescrição médica. Voltei no tempo. Era menina e ouvia o povo dizer: “Aquelas crentes das rouponas” ou “aqueles homens de terno preto, sem ser maçom”, que batiam de porta em porta vendendo livros. Até já comprei uns sobre medicina natural. Se há uma coisa que admiro nos evangélicos é o trato com aparência: o ar de dignidade com que se vestem para os cultos.

No entanto, não silencio sobre o que se configura como discriminação religiosa: danos à honra e à imagem de uma pessoa por qualquer religião. A associação a uma denominação religiosa é livre – um ato de autonomia da pessoa, que vale para entrar e para sair. Às religiões que não pensam assim: saibam que em território brasileiro estão sujeitas ao cumprimento da lei, sem choro, sem vela e muito menos fita amarela! Assim sendo, nenhuma religião no Brasil está acima da lei. Então, não dá para calar quando experiências do sagrado cometem discriminações. Não podemos contemporizar com tais práticas insanas contra a cidadania.

Fonte: O Tempo

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