Um negro no STF

Foto: Marcus Steinmayer

Nas últimas semanas, os jornais têm falado na possibilidade de o presidente da República nomear um negro para o Supremo Tribunal Federal. A notícia é alvissareira para a vasta comunidade negra brasileira e certamente terá impacto positivo também no exterior.  O presidente Lula, em sua participação no Fórum de Davos, foi contundente ao declarar ao capital internacional a magnitude da população negra brasileira e compará-la à população africana. O compromisso do presidente em dar respostas às profundas desigualdades enfrentadas pelo povo negro no Brasil nos faz crer que ele nomeará pelo menos um negro para as três vagas que vai preencher no STF.

por Sueli Carneiro

De fato, apesar da grande proporção de negros na composição da população brasileira, em toda a sua história o Brasil não teve esse segmento representado nos órgãos de cúpula do Estado. Na área pública, nas carreiras de prestígio e bem-estruturadas, o negro esteve ausente, especialmente nas instâncias diretivas, como conseqüência do racismo, da desigualdade crônica pela qual somos conhecidos ou pela falta de oportunidades causadas pela defasagem educacional.

Já é, portanto, mais do que tempo de romper com essa longa invisibilidade da presença negra em especial no STF alçando a ele um representante da comunidade negra que preencha os requisitos legais e constitucionais exigidos para o cargo. O Ministério Público dos Estados tem oferecido ao país competentes jurisconsultos negros que, quando convocados, oferecerão sua dedicação e competência na esfera internacional ao STF.

Aliás, essa é uma tendência mundial, seguida até mesmo por países desprovidos de minorias raciais expressivas como a brasileira. E, é claro, tudo decorre do avanço da temática dos direitos humanos no mundo inteiro. Em sociedades complexas como a nossa, é crescente a intervenção das cortes supremas e constitucionais em assuntos que abarcam igualdade racial e de gênero, aborto, política educacional, tributação, regulação econômica e social, organização política e eleitoral etc.

São temas que, pela própria natureza, dividem a opinião pública e as forças políticas organizadas. É natural, pois, que esses órgãos jurídicos de cúpula, detentores do importante poder de dar a última palavra sobre a constitucionalidade dessa ou daquela medida governamental de importância vital para a sociedade como um todo, reflitam em sua composição, ainda que de forma aproximativa, os mais variados e expressivos segmentos da sociedade.

Nesse ponto, o Brasil, com um dos mais importantes contingentes de negros do planeta, encontra-se em visível defasagem. Os Estados Unidos, país que por longo tempo praticou a segregação racial como política de Estado, já tem ininterruptamente um negro em sua Corte Suprema desde 1965. A África do Sul, desde o fim do apartheid em meados dos anos 90, segue a mesma tendência, agora com posições invertidas, já que se tornou imperioso assegurar a presença da minoria branca nas instituições.

Essa tendência encontra um perfeito paralelismo na questão de gênero. Todas as cortes constitucionais e supremas mais importantes têm nos dias atuais mulheres em sua composição. O Brasil deu início a esse processo, com a nomeação da primeira mulher para o STF em 2000.

O presidente Lula está sendo agraciado com a chance de iniciar a mudança de um quadro historicamente arraigado de exclusão. É momento ímpar para que o Estado brasileiro incorpore a face negra do seu povo e, como nordestino, de origem popular e mestiça, certamente não se furtará a deflagrar o processo de reconhecimento das muitas competências jurídicas geradas no seio da comunidade negra até hoje (até ontem, esperamos dizer) alijadas das instâncias de direção e definição dos destinos do país.

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