História da África

Invariavelmente alguns jornais vêm se manifestando contra diferentes medidas voltadas para o combate ao racismo e a discriminação racial. Qualquer iniciativa de promoção da igualdade racial recebe a acusação de ‘‘golpes de caneta” argumento já utilizado em crítica à época ao projeto de iniciativa do então deputado federal Paulo Paim, que dispunha sobre a representação étnica e racial nos filmes e peças publicitária veiculadas; em relação à adoção de cotas para afrodescendentes e agora para a lei sancionada pelo presidente Lula, que institui a obrigatoriedade do ensino da história da África e da cultura negra brasileira.

Por Sueli Carneiro

É um argumento capcioso que nega ser essa lei, em primeiro lugar, uma resposta a reivindicações históricas dos movimentos sociais negros. Em segundo lugar, ela pretende corrigir uma injustiça histórica reconhecida pelo editorial de 14/01/2003 da Folha, segundo o qual ‘‘a percepção, absolutamente correta, de que também a historiografia discrimina o negro, contribuindo assim para a perpetuação da chaga do racismo”.

Apesar dessa evidência, a objeção à lei remete-se à obrigatoriedade do ensino das disciplinas citadas em todas as escolas do país com este argumento: ‘‘Para uma escola do Norte ou do Centro-Oeste, por exemplo, a história dos índios pode ser mais relevante do que a dos negros. Já para uma comunidade polonesa do Paraná, pode ser mais interessante valorizar a história do Leste Europeu”.

Ora, se se reconhece que o negro é discriminado na historiografia e essa historiografia está presente em todas as escolas, como seria possível combater parcialmente a ‘‘chaga do racismo”? A desejável autonomia da escola para definir o seu projeto político pedagógico, incluindo-se aí as particularidades regionais, está subordinada ao interesse maior que envolve a integridade da questão pedagógica que consiste em dotar os alunos dos instrumentos para a compreensão do país em toda a sua complexidade e em seus principais desafios para a realização da dignidade humana, da cidadania e da democracia sendo o racismo e a discriminação um dos principais desafios.
Em outro artigo da Folha de 13/01/2003 e no pleno exercício do paradigma do senso comum, Vinicius Torres Freire pergunta-se se índios, italianos ou cafuzos precisariam de cursos específicos reconhecendo, no entanto, que ‘‘o preconceito é ensinado da casa grande à senzala”. O uso pretensamente generoso do relativismo cultural e da diversidade humana é usado para desqualificar a necessidade da medida pela oposição de grupos humanos. Um argumento falacioso escamoteia o fato de a riqueza cultural milenar africana ter sido suprimida do patrimônio da humanidade pela colonização e a visão eurocêntrica que a informou deslegitimadora de todas as demais culturas não-ocidentais – atitude cultural e politicamente imperialista que norteou a relação entre o Ocidente e o continente africano suficientemente demonstrado por Hannah Arendt no livro As origens do totalitarismo entre outros autores.

A recorrência a poloneses, italianos etc. é manobra através da qual se descolam nacionalidades pertencentes à mesma expressão civilizatória – a cultura ocidental européia universalmente hegemônica, dos quais italianos, poloneses são expressões. Ao contrário das culturas e civilizações africanas e afrodescendentes que se constroem sob outros paradigmas civilizatórios e, por isso, estigmatizadas pelo Ocidente tal como a cultura indígena que legitimamente também reivindica pleno reconhecimento no sistema de ensino.

Esse recurso discursivo realiza a proeza de equiparar qualquer expressão particular da cultura ocidental à civilizações continentais não-ocidental. O subtexto da tortuosidade e retórica mirabolante presentes nesses argumentos se esclarece no título do artigo de Vinicius Torres Freire: ‘‘Uma bobagem histórica”, forma como ele adjetiva a nova lei. O sentido real eurocêntrico que se esconde nos contorcionismos verbais é a reiteração dos estigmas que acompanham as culturas africanas e as culturas dos povos afrodescendentes que tornam irrelevantes tanto essas culturas como esses povos.

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