Fiz uma descoberta importante nos últimos meses. Na verdade, nem é uma coisa nova, mas para mim a “descoberta” foi tão surpreendente quanto a de um bebê quando aprende o funcionamento das mãos. Descobri que para estar vivo é preciso viver.

Eu disse que não era nada novo. Parece óbvio, né? Mas é que “viver” é um conceito bem amplo, que pode ser diferente para cada pessoa, é diferente dentro de diversas culturas, religiões e comunidades. O conceito de viver, numa cidade como São Paulo, é diferente de viver em cidades como Serra da Saudade, em Minas Gerais, onde só moram 833 pessoas.

A descoberta veio porque nos últimos meses descobri, por acaso, uma doença crônica e silenciosa. Não sou a única, segundo a OMS. Enquanto a média global de adultos (entre 30 e 79 anos) com hipertensão arterial é de 33%, no Brasil, estima-se que o índice seja de 45%. Somos mais de 50 milhões de pessoas, mas, desse total, apesar de 62% possuírem o diagnóstico, apenas 33% estão com a pressão controlada.

Eu sou jovem, não fumante, bebo sem exagero, não tenho filhos, não sou exatamente uma atleta, mas fazia algum exercício e nunca fui apaixonada por fast food. Mas meu histórico familiar de três AVCs que levaram a óbitos garantiu a mim um pódio indesejado e uma bandeira vermelha. No Brasil, as mortes aumentaram 72% em dez anos, segundo o Ministério da Saúde;

Para quem lê, pode até parecer que estou levando isso na esportiva, mas quando saí da cardiologista aquela noite com uma receita e vários desenhos dos meus batimentos cardíacos, só consegui parar sozinha num bar, pedir uma cerveja e um escondidinho de abóbora com carne seca, enquanto ouvia um trio tocando bossa nova, para lembrar que ainda havia muita vida pela frente.

Foi aí que veio a tal descoberta. Quando li as indicações médicas (ainda bem que a médica deu tudo por escrito porque na hora eu não estava ouvindo nada), e consultei o Google sobre o que deveria fazer a partir dali, vieram as seguintes indicações: é preciso uma mudança no estilo de vida, criar um rotina alimentar que contemple alimentos in natura, praticar atividades físicas cinco vezes por semana, aproveitar os momentos de lazer, controlar o estresse, manter o peso adequado, dormir oito horas por noite e fazer uso correto dos medicamentos prescritos.

Eu esperava tudo, menos que o que eu deveria fazer a partir dali era viver bem. Não havia nenhum grande sacrifício, um exame que eu precisasse ficar três dias sem comer ou um efeito colateral que me faria trocar de pele duas vezes por ano. Até os remédios eram baratos ou gratuitos no SUS. Então, por que centenas de milhares de brasileiros, em sua maioria mulheres negras, iguais a minha avó, minha mãe e minha tia, morrem todos os anos.

É estranho pensar em viver a vida inteira com uma doença que, apesar de absolutamente tratável, não tem cura. Por isso, a maior parte dos hipertensos não está se tratando, porque é quase impossível para a maioria das pessoas ter outro estilo de vida.

Tão simples quanto mexer as mãos é perceber que ter uma vida tranquila, indo a pé para o trabalho, por exemplo, fazer exercícios ao ar livre, comer frutas e dormir, é um privilégio.

Geledés Instituto da Mulher Negra

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