Universidades de São Paulo ainda registram dezenas de casos de racismo

Racismo na universidade

Universidades de São Paulo e os casos de racismo

Depois de 126 anos do fim da escravidão no Brasil, abolida no dia 13 de maio de 1888, o racismo contra negros ainda se faz presente em muitos espaços do País. As universidades não são uma exceção. Do início do ano até agora, diversos casos de racismo contra estudantes negros que estudam em universidades de São Paulo foram denunciados nas redes sociais e ganharam o noticiário.

Mônica Gonçalves
Mônica Gonçalves

No dia 30 de abril, Mônica Gonçalves, aluna da Faculdade de Saúde Pública da USP, foi impedida de entrar no prédio da FMUSP (Faculdade de Medicina). De acordo com seu depoimento ao site Blogueiras Negras, os guardas da universidade deixaram pessoas brancas entrar, mas ela, que é negra, foi barrada.

Mesmo apresentando a carteirinha da faculdade, Mônica não pode ter acesso à unidade sob a justificativa de que não era estudante da instituição e de que só estava sendo permitida a entrada de alunos da instituição, pois haveria uma festa no local.

Enquanto argumentava estar tendo o seu direito de ir e vir violado pela segurança, a estudante percebeu que alunos brancos acessavam a unidade sem precisar se identificar. Mônica notou também que outros amigos seus já a aguardavam dentro da unidade e, portanto, não haviam sido barrados na entrada.

Em nota, o Centro Acadêmico dos cursos de Nutrição e Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) Emilio Ribas (CAER) se manifestou sobre o caso. A entidade repudiou a ação do corpo de segurança da FMUSP como racista e ainda a classificou como racismo institucionalizado. Um ato contra o racismo na instituição foi marcado para esta terça-feira (13).

“preto”, “macaco” e “vagabundo”

No dia 4 de abril, um estudante negro do curso de Direito da USP Ribeirão Preto foi vítima de racismo dentro da instituição. O aluno caminha junto a colegas dentro do campus em direção à biblioteca, quando foi xingado de “preto”, “macaco” e “vagabundo” por um motorista que passava de carro. O agressor era membro da Polícia Civil e chegou a sacar uma arma enquanto fazia as ofensas.

O homem [no carro] passou muito perto de nós e, instintivamente, bati o braço no retrovisor do carro. Ele parou o carro e sacou a arma. Ao ver o revólver, a primeira reação que eu tive foi correr, correr muito.  O homem armado gritava ‘seu preto, seu sujo, fica andando no meio da rua. Isso não vai ficar assim. 
O homem era um policial civil, diz trecho do relato da vítima lido por demais alunos da instituição em depoimento gravado em vídeo disponível no You Tube.

Depois disso, a PM chegou no local dizendo aos meus amigos, que se quisessem registrar um boletim de ocorrência, levariam, no mínimo, cinco horas. Também viram que [o agressor] se tratava de um policial civil e não fizeram nada […] 
Sempre pensei que a minha mãe viria me buscar na USP formado, e não dentro de um caixão, continua a leitura do depoimento por estudantes no vídeo disponível no You TubeO material diz ainda que “Os pretos e pardos [composição dos negros, segundo o IBGE] somam 50% da população brasileira. Na USP, apenas 2,4% dos estudantes são negros”.

No dia 5 de abril, o estudante que sofreu racismo prestou depoimento no 3º Distrito Policial de Ribeirão Preto. A Polícia Civil diz que passou a investigar o caso.  À época do ocorrido, por meio de assessoria de imprensa, a USP informou que repudia este tipo de atitude.

O Centro Acadêmico Antonio Junqueira de Azevedo (Caaja) da USP
O Centro Acadêmico Antonio Junqueira de Azevedo (Caaja) da USP protestou contra o ocorrido: “O racismo, incrustado em nossa sociedade, deve ser frontalmente combatido no dia a dia”, afirmou em nota. Um ato contra o racismo foi realizado pelos estudantes da instituição no dia 23 de abril.

“Se o Exército brasileiro não estiver lá, quem vai por ordem na macacada?”

Dentre os casos de racismo na USP este ano, está o comentário de um docente da universidade durante uma aula. Segundo estudantes, no dia 18 de março, o professor André Roberto Martin, chefe do departamento de Geografia na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo), disse em comentário sobre a atuação do Exército brasileiro no Haiti: “Se o Exército brasileiro não estiver lá, quem vai por ordem na macacada?”.

A Universidade de São Paulo não se manifestou oficialmente sobre esses casos

Em nota divulgada à comunidade universitária, o professor disse que sua frase foi outra. Segundo ele, a frase na íntegra teria sido a seguinte: “E se as tropas brasileiras não estivessem no Haiti? Eles iriam se pegar e aí o imperialismo norte-americano diria: ‘nós temos que intervir para por ordem nessa macacada’”. A Universidade de São Paulo não se manifestou oficialmente sobre esses casos.

“Thaís Telles, preta, safada e macada”

No início do mês de abril, Thaís Telles dos Santos, estudante do curso de Geografia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Presidente Prudente,  encontrou a seguinte mensagem próxima ao banheiro feminino do campus: “Thaís Telles, preta, safada e macada”.

Encontrei a mensagem pela manhã, pouco tempo após o processo eleitoral para o diretório acadêmico. Meus amigos vieram me contar. Depois registrei o boletim de ocorrência como injúria, já que a escrivã informou que não podia ser identificado que era racismo sem comprovar a verdadeira intenção e sem saber quem foi o autor.

Um post no Facebook em que Thaís mostra a ofensa teve mais de 600 compartilhamentos e motivou a solidariedade dos colegas. A aluna é membro do coletivo Mãos Negras, que discute a valorização do negro e da cultura. O caso foi registrado na Polícia Civil e está sendo investigado pela Delegacia da Mulher de Presidente Prudente.

“veementemente contrária aos atos de vandalismo, com conotações de racismo […]”
No dia 2 de abril, alunos interromperam as aulas do curso de Geografia da Unesp e fizeram uma manifestação em repúdio ao ato de racismo contra a estudante. Em nota sobre o caso, a Unesp se posicionou “veementemente contrária aos atos de vandalismo, com conotações de racismo […]”. A universidade também instaurou um processo preliminar de averiguação do caso.

“Até você que tem a pele mais escurinha, consegue perceber diferentes cores de luz na sua pele”

No início do mês de maio, a estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Stephanie Ribeiro relatou casos de racismo que sofre entre colegas da universidade nos espaços de estudos e também nas redes sociais. Segundo a estudante, no início do semestre, um professor se dirigiu a ela e falou: “Até você que tem a pele mais escurinha, consegue perceber diferentes cores de luz na sua pele”.

Eu não tenho vontade de ir à aula, não tenho vontade de conversar com as pessoas, eu quero ficar em casa chorando. Eu me encontro triste, comecei terapia, e a psicóloga só conseguiu dizer que eu era racista comigo mesma e que eu estava no curso errado, porque a universidade não vai mudar por mim — relata a estudante sobre os efeitos do preconceito com o qual, segundo ela, lida desde que ingressou na faculdade. A estudante diz ser a única mulher negra entre 200 alunos do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas.

Dentre outros casos de racismo na USP que viraram notícia nos últimos anos então: um que envolve o estudante do curso de Música na Escola de Comunicações e Artes, Wadmir Barros, em 2013, e outro envolvendo o estudante de Ciências da Natureza na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), Nicolas Menezes Barreto.

Segundo Wadmir, os seguranças disseram que nada podiam ter feito, porque os agressores eram muitos

No dia 12 de agosto de 2013, Wadmir Barros, estudante intercambista cabo-verdiano, foi espancado por jogadores do time de basquete da Escola Politécnica da USP nas dependências do Cepeusp (Centro de Práticas Esportivas da universidade). À época, Wadmir afirmou que a agressão foi motivada por racismo por ele ser de Cabo Verde. Testemunhas disseram que os seguranças do Cepeusp olharam a agressão, mas nada fizeram para detê-la. Segundo Wadmir, os seguranças disseram que nada podiam ter feito, porque os agressores eram muitos.

Wadmir estava treinando sozinho na quadra, quando a equipe de basquete da Politécnica chegou e exigiu a sua saída. Alegando que tinha chegado primeiro, o estudante de música negou-se a se retirar e propôs a divisão do espaço. No meio da discussão acalorada, um dos jogadores do time de basquete chutou a bola para fora da quadra. Nervoso, Wadmir revidou chutando o rapaz e foi agredido por todos os outros jogadores. 

No dia 19 de agosto, 25 estudantes negros da universidade fizeram um protesto na quadra em que Wadmir foi agredido

No dia 19 de agosto, 25 estudantes negros da universidade fizeram um protesto na quadra em que Wadmir foi agredido. Eles exigiram uma retratação formal da direção da Atlética da Escola Politécnica. Na nota de retratação redigida manualmente na quadra, a direção da Atlética mencionou que Wadmir tentou agredir um dos jogadores, mas reconheceu que os alunos da Escola Politécnica o agrediram em grupo.

No dia 9 de janeiro de 2012, em meio a um período de protestos de estudantes da USP contra a presença da PM (Polícia Militar) na Cidade Universitária, um policial apontou uma arma para um estudante negro que, junto a outros alunos brancos, estava na sede do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Livre da USP.

Diante da recusa dos estudantes em deixar o local, um policial partiu exclusivamente para cima do estudante da USP Leste Nicolas Menezes Barreto. Mesmo tentando se identificar com a carteirinha da universidade, o aluno foi espancado e teve uma arma apontada para o seu corpo.  A ação foi registrada em vídeo disponível na internet

Na época, assessoria de imprensa da reitoria da universidade, disse que a PM deveria comentar o caso. O comandante-geral da PM, coronel Álvaro Batista Camilo, ordenou o afastamento do policial que mostrou a arma para o estudante e de outro agente que estava no local. A PM abriu sindicância para apurar o episódio.

dentro da USP assim como fora dela, a Polícia Militar aborda as pessoas de forma truculenta e abusa de poder contra aqueles considerados fora do estereótipo “burguês-estudante da USP”

Entidades de movimentos sociais se manifestaram sobre o caso: “O lamentável episódio de extrema violência policial contra Nicolas Menezes Barreto durante a invasão da polícia a um espaço estudantil não deixa dúvidas: dentro da USP assim como fora dela, a Polícia Militar aborda as pessoas de forma truculenta e abusa de poder contra aqueles considerados fora do estereótipo “burguês-estudante da USP”, diz trecho de nota do Núcleo de Consciência Negra na USP divulgada  à época.

 

 

Fonte: R7

-+=
Sair da versão mobile