USP descobre racismo na rede de saúde

Pelo menos mil mulheres por ano dão entrada nas unidades básicas de saúde com pedido para fazer laqueadura no serviço de planejamento familiar da Prefeitura de Ribeirão Preto, segundo pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP. Mas um dado complementar, que ainda nem foi passado para a Secretaria da Saúde da Prefeitura, incomoda bastante a coordenadora da pesquisa, Elizabeth Meloni Vieira, professora do departamento de Medicina Social: 5% das pessoas não conseguem ser atendidas no serviço de planejamento familiar, alegando que encontraram “obstáculos institucionais”.

– Uns dizem que não foram chamados, outros que o prontuário sumiu, que o médico dele não foi ou o nome desapareceu da listagem. O diferente nelas é a cor: a maioria dessas pessoas é negra. Isso já foi encontrado no Brasil em outros estudos, mostrando que a cor é um fator de desigualdade social – afirma a pesquisadora.


Esterilização cirúrgica

O estudo do Departamento de Medicina Social da USP investigou as características de homens e mulheres que não conseguiram a esterilização cirúrgica (laqueadura ou vasectomia), entre 1999 e 2004, de um total de 2.631 pessoas que solicitaram esse procedimento no serviço de planejamento familiar da rede pública de Ribeirão Preto.
Uma das conclusões é que maior renda e escolarização favorecem o acesso ao programa e ao contrário, se for mulher, com mais idade, evangélica e solteira. Cerca de 15% desistiram da cirurgia e 5% não conseguiram por uma série de barreiras, aparentemente operacionais.

Elizabeth Meloni Vieira lembra que no SUS a falta de atendimento de pessoas negras chega a 4% – índice nacional – a ponto do Ministério da Saúde ter reconhecido a discriminação dois anos atrás, passando a treinar pessoal para melhorar o atendimento específico para pessoas negras.
Para a médica, eles são discriminados institucionalmente, embora não se saiba exatamente como esse bloqueio ocorre em Ribeirão Preto. No SUS até cartazes foram feitos mostrando uma pessoa negra com alerta contra a discriminação.
– Não estamos falando de emergência, de consulta, nem de cirurgia. Só do serviço de planejamento familiar. Acho que é um dado local que confirma o outro nacional: são pessoas que não tem acesso a qualquer procedimento e a associação maior entre elas é a cor.
A professora, como assessora do município, iniciou a montagem da rede de planejamento familiar em 1999, quando ajudou a implantar a oferta de métodos cirúrgicos de contracepção pelo SUS. E todo ano, gratuitamente, ela faz reunião de planejamento com as pessoas preparadas para orientar mulheres e homens que procuram esse serviço.
– Quando a gente fizer planejamento esse ano, incluiremos essa questão da cor para ver como resolver o problema – espera a pesquisadora, lembrando que toda pessoa que quiser ter acesso hoje à contracepção, a métodos reversíveis e os definitivos como a laqueadura e a vasectomia, pode ir a qualquer UBS que tem gente capacitada para orientar em relação a essa escolha e oferecer a consulta médica.

Secretária: ‘isso é um absurdo a ser examinado’

A secretária da Saúde de Ribeirão Preto, Carla Palhares Queiroz, médica ginecologista, disse que considera “esses dados um absurdo. Mas se estão aparecendo, devem ser examinados detidamente”. Para ela se trata de uma novidade local e garante que nunca presenciou ou ouviu falar de uma discriminação no serviços de saúde por causa da cor.
Admite que nos programas municipais existe orientação para atender a população economicamente mais carente de modo diferenciado.

Especula que talvez a presença de maioria negra no índice dos 5% que não tem acesso aos serviços, pode estar ligada ao fato de que pessoas de cor constituem a maioria dos menos favorecidos. Carla Queiroz se mostrou receptiva para receber os dados oficialmente e estudar a questão.

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