Num dia de setembro, Elizabeth Leiba abriu o aplicativo LinkedIn e viu uma postagem de Aaisha Joseph, uma consultora de diversidade com quase 16 mil seguidores na plataforma.
“Preciso que as #companhias parem de enviar seus dedicados Negros Domésticos para ‘lidar com os negros’ que eles consideram fora de controle”, dizia o texto. “Não é realmente um bom visual —na verdade, é muito #supremacistabranco e #racista.”
O post era exatamente o tipo de coisa que Leiba, gerente de design educacional no City College em Fort Lauderdale, na Flórida, estava procurando. Hoje em dia, quando ela pega seu telefone em busca de uma conversa ruidosa, opiniões provocativas e as últimas novidades, ela se pega acessando o LinkedIn, que desde a morte de George Floyd se tornou um fórum animado para a expressão negra.
“Eu entro no Twitter e fico entediada”, disse Leiba, 46. “Então volto para o LinkedIn porque está pegando fogo. Eu nem preciso entrar em outras redes sociais agora.”
É um avanço inesperado na que é, há muito tempo, a mais educada e talvez mais enfadonha das grandes redes sociais. O LinkedIn foi fundado em 2003 como um lugar para fazer contatos e postar currículos —essencialmente, um diretório de profissionais de colarinho branco. Há alguns anos, o LinkedIn adicionou um feed de notícias semelhante ao do Facebook que encorajava os usuários a postar links e atualizações, mas nunca foi um espaço divertido. Uma equipe de editores ajudou a impor um clima que se pode descrever como corporativo.
“Você fala no LinkedIn da mesma forma que fala no escritório”, disse Dan Roth, editor-chefe da plataforma, a The New York Times em agosto de 2019. “Existem certos limites em torno do que é aceitável.”
Dois eventos surpreendentes mudaram isso. No início de 2020, veio a pandemia, forçando milhões a trabalhar em casa e sentir falta do bate-papo na sala de descanso, promovendo o LinkedIn como um lugar para desabafar. Então, a morte de Floyd sob custódia policial em maio colocou os trabalhadores em polvorosa. A tristeza negra foi exposta, sem inibições, no bebedouro virtual da América corporativa.
“Eu estava apenas 43 anos cansado”, disse Future Cain, diretora de aprendizagem social e emocional em uma escola de ensino fundamental e médio em Wisconsin. “Eu usava o LinkedIn para postar coisas positivas e animar as pessoas durante a pandemia, e decidi que não podia mais ficar sentada aqui em silêncio.”
Quando os manifestantes saíram às ruas para exigir a reforma da polícia, Leiba e Cain estavam entre os que descobriram que o LinkedIn era um lugar para falar com a classe executiva em algo como seu próprio território. Usuários negros acessaram o site para denunciar a discriminação racial no local de trabalho e compartilhar suas histórias de alienação no emprego.
Não que seja tudo sério: muitas postagens são exuberantes —cheias de memes, referências culturais e estilo linguístico negros. Neste verão, Leiba compartilhou um vídeo sobre troca de código, no qual um funcionário negro se transforma enquanto cumprimenta colegas negros (“Oh, ei, rainha negra!”) e um branco (conversa sem graça). “Eu o assisti pelo menos cinquenta e onze vezes”, escreveu Leiba.
Esses são os tipos de conversas, e modos de falar, que os trabalhadores negros que vivem em cubículos normalmente não usam com seus colegas brancos. Enquanto postagens extraordinariamente carismáticas apareciam em meu feed neste verão, parecia claro que o Black LinkedIn estava emergindo como um primo profissional do Black Twitter —o espaço digital declaradamente negro onde as pessoas expõem injustiças há muito ignoradas e projetam sua experiência na corrente dominante.
O que está menos claro é se o LinkedIn está à vontade com esse avanço, tendo colocado seus moderadores de conteúdo na posição incendiária de determinar que tipo de discurso relacionado às raças é apropriado para seu local de trabalho virtual de 706 milhões de usuários.
Usuários negros que postam em tons fortes, e alguns de seus aliados, dizem que sentem que o LinkedIn os calou, apagando suas postagens e até congelando suas contas por violar vagas regras de decoro.
Theresa M. Robinson, consultora de treinamento corporativo em Houston, disse que o LinkedIn excluiu uma postagem dela sobre racismo e a reintegrou após ela reclamar. Ela disse que nunca recebeu uma explicação. Duas outras, Future Cain e Madison Butler, que trabalha em Austin, Texas, também disseram que o LinkedIn restringiu seus comentários sobre raça.
Na ausência de uma comunicação clara da empresa, esses usuários ficam adivinhando quais são as regras —e sentindo que a empresa não está apenas policiando seu tom, mas sufocando sua possibilidade de forçar mudanças na América corporativa.
Nicole Leverich, porta-voz do LinkedIn, escreveu em um e-mail: “Não estamos censurando conteúdo e não fizemos qualquer alteração em nosso algoritmo para reduzir a distribuição de conteúdo sobre esses temas importantes”. Ela acrescentou em entrevista que o LinkedIn estava adotando um novo processo para notificar os usuários quando suas postagens eram sinalizadas por violar as regras da plataforma, e que algumas pessoas não tinham sido informadas até o final de setembro.
A empresa reconheceu que errou ao tomar medidas contra alguns usuários e restaurou o conteúdo que, em apelação, não foi considerado uma violação a suas políticas.
“Se cometermos um erro, nós o assumimos”, disse Paul Rockwell, chefe da divisão de confiança e segurança do LinkedIn. “Vamos ser muito claros —esta é uma oportunidade de aprendizagem para nós. Vamos continuar a usar isso em nossa jornada para nos tornar cada vez melhores. E nós queremos acertar isso.”
CONVERSAS DIFÍCEIS SOBRE RAÇA
Poucas pessoas acham que o LinkedIn deveria se parecer com a selva do Reddit ou do Twitter, que têm um certo anonimato e até mesmo anarquia embutidos em seu DNA. Grande parte do valor do LinkedIn —a Microsoft o adquiriu em 2016 por US$ 26 bilhões— está vinculada ao seu senso de profissionalismo e conduta respeitosa. Os usuários devem compartilhar seus nomes reais e credenciais, e entende-se que seus empregadores atuais ou futuros podem ver qualquer coisa que eles postem.
Para os negros na esfera corporativa, entretanto, palavras como “profissional” e “respeitoso” são sinais de alerta. Como os estilos de cabelo negros naturais, que já foram amplamente considerados antiprofissionais, certos comportamentos —ser negro demais, falar muito como negro ou sobre temas negros— há tempo limitam o avanço em empresas com culturas brancas.
Foi isso o que mudou no LinkedIn nos últimos meses. Os negros estão sendo, para usar um termo técnico, “blackity-black” no LinkedIn. Muito do comportamento não é tão diferente do Black Twitter; os usuários apimentam suas postagens com emojis de palmas para enfatizar cada sílaba, e os GIFs celebram marcos culturais como “Insecure” de Issa Rae e “Corra!” de Jordan Peele. A diferença é que tudo está acontecendo em uma rede social que reflete o mundo dos negócios —um lugar predominantemente branco.
Inevitavelmente, nem todos aceitam tamanha exuberância. Postagens sobre o Vidas Negras Importam e justiça racial geralmente atraem o mesmo tipo de respostas desdenhosas e, às vezes, preconceituosas encontradas em outras plataformas: réplicas de que “todas as vidas importam” ou alegações sobre crimes entre negros. Mas, como a atividade ocorre no LinkedIn, esses comentários normalmente vêm com a foto do usuário, o local de trabalho e todo o histórico profissional anexados.
“Você começa a ver pessoas que absolutamente não aprovam esse enfoque na negritude aparecendo nos comentários, com seu nome e sua empresa totalmente expostos, dando zero apoio ao momento”, disse John Graham Jr., 39, comerciante digital e estrategista em uma empresa de biotecnologia da Califórnia.
“Acho revelador que as pessoas ponham suas carreiras em risco e seus preconceitos inconscientes à mostra.”
O LinkedIn também tem tido dificuldades internas sobre como reagir ao movimento Black Lives Matter. Em junho, o executivo-chefe, Ryan Roslansky, desculpou-se publicamente pelos comentários raciais “terríveis” que alguns funcionários fizeram em uma reunião de toda a empresa.
Rosanna Durruthy, chefe de diversidade, inclusão e pertencimento do LinkedIn, disse em uma entrevista que a empresa está se envolvendo em discussões difíceis sobre raça, tanto dentro quanto fora da empresa.
“Estamos realmente começando a nos concentrar de forma muito consistente em como começar a lidar com isso externamente” na plataforma, disse ela.
‘ROMPER O STATUS QUO’
Uma das presenças mais ruidosas no Black LinkedIn é Madison Butler, consultora de recursos humanos e vice-presidente de uma startup. Ela posta no LinkedIn desde 2018 e com frequência e fervor crescentes neste ano. O potencial de falar a verdade ao capital, disse ela, faz com que as várias ameaças de morte resultantes valham a pena.
“Há algo a ser dito sobre o acesso que o LinkedIn oferece a CEOs e investidores poderosos para ajudar a mudar sua perspectiva e como eles apoiam os fundadores e funcionários negros”, disse Butler, 29. “A conversa que precisa acontecer para romper o status quo na América corporativa não está acontecendo no Instagram.”
Butler, que tem cerca de 40 mil seguidores, posta diariamente no LinkedIn. Seu estilo é ser prescritiva, atacar as normas corporativas e denunciar esnobes e trolls; ela tende a encerrar cada postagem com as hashtags #isaidwhatisaid (eu disse o que eu disse), #thatsthetea (o assunto da hora) e #blackgirlmagic (magia da garota negra). Uma postagem recente criticou as empresas que se exibem na torcida pelo movimento Black Lives Matter, mas não agem corretamente com seus funcionários.
“Os negros em sua organização acham que são importantes ou se sentem como as fotos publicitárias de negros que vocês usam para melhorar sua pegada no mercado? Se vocês não podem dar importância às vidas negras sob seu próprio teto, não usem o Black Lives Matter como estratégia de marca”, escreveu Butler recentemente. “Não falem sobre isso, vivam de acordo. Ponto.”
Outras estrelas do Black LinkedIn têm como alvo empresas específicas. Joseph, por exemplo, recentemente denunciou Wells Fargo, DoorDash, Microsoft e Google.
Também não faltaram críticas ao próprio LinkedIn. Os usuários estão cobrando da empresa um padrão que ela mesma estabeleceu em junho, quando Melissa Selcher, diretora de marketing e comunicação, publicou uma carta aberta na plataforma.
“Temos a responsabilidade de usar nossa plataforma e recursos para abordar intencionalmente as barreiras sistêmicas às oportunidades econômicas”, escreveu ela. “Também acreditamos que desempenhamos um papel fundamental na amplificação das vozes negras.”
Também em junho, com os protestos do Black Lives Matter se espalhando por todos os EUA, o LinkedIn destacou “Vozes negras a seguir e amplificar”, uma lista de executivos-chefes, personalidades da mídia e outros influenciadores, incluindo a reverenda Bernice King e Karamo Brown, do programa “Queer Eye” da Netflix. A maioria dos membros da lista posta conteúdo geral, motivacional e seguro.
Joseph e outros recorreram ao LinkedIn para dizer que o grupo continha muitos nomes de estabelecimentos e poucos ativistas. “Onde estão as Tamika Mallorys do LinkedIn nessa lista?”, escreveu Joseph, referindo-se a uma das fundadoras da Marcha das Mulheres de 2017.
“As vozes negras não são apenas as do alto escalão corporativo”, escreveu Patricia S. Gatlin, especialista em busca de talentos em Las Vegas.
“Todas as vozes negras precisam ser ouvidas neste momento”, acrescentou Scott Taylor, recrutador em Los Angeles. “Não apenas aquelas que a sua equipe de analistas acha que devemos ouvir.”