Vamos celebrar o Dia do Professor

Expansão excessiva do EaD aprofunda problemas de formação já existentes

A primeira professora que lembro ter me marcado foi a do 3º ano do ensino fundamental. Tia Gabi nos tratava com muito carinho e dedicação. Eu gostava especialmente das suas aulas de matemática. Foi com ela que aprendi a escrever cheque, habilidade obsoleta agora, quase três décadas depois.

Ela foi a primeira, mas não a única professora a deixar marcas na minha trajetória. Muitas foram positivas e influenciaram minhas escolhas profissionais; outras foram negativas, com experiências que prefiro esquecer.

Na terça-feira (15), celebramos o Dia do Professor, momento em que homenagens inundam as redes sociais. A docência é uma profissão com impacto profundo na formação dos indivíduos e na construção da sociedade. No entanto, essa profissão, muitas vezes vista como vocação altruísta, ainda passa por desafios estruturais para ser reconhecida como profissão, não heroísmo.

A formação inicial é um desses desafios. Na última década, dobrou o percentual de concluintes de cursos voltados para a formação docente na modalidade a distância (EaD). Essa expansão excessiva contribuiu para aprofundar problemas já existentes. A modalidade compromete a qualidade da preparação docente por não comportar a prática em sala de aula, essencial para a profissão. Vale a pena ampliar o acesso ao ensino superior se não estão sendo formados profissionais capazes de exercer a profissão?

Para enfrentar a situação, o MEC homologou em maio novas diretrizes curriculares para pedagogia e cursos de licenciaturas. A resolução limita o EaD a no máximo 50% da carga horária dos cursos de formação de professores. Instituições que apostaram exclusivamente no modelo a distância criticaram a decisão, alegando que pode gerar um apagão de profissionais.

Mas a realidade é que o déficit está mais relacionado à baixa atratividade da carreira e à evasão nos cursos, que chega a 70%, do que à falta de vagas. Apenas um terço dos licenciados realmente ingressa na carreira docente. O verdadeiro desafio não está na quantidade de formandos, mas na falta de profissionais qualificados e motivados a permanecerem na profissão.

A formação de professores exige um equilíbrio entre teoria e prática, o que dificilmente se alcança em um curso predominantemente a distância. Formar docentes é complexo: a prática supervisionada e a vivência em sala de aula são indispensáveis. Ao garantir que pelo menos 50% da carga horária seja presencial, o MEC busca melhorar a qualidade da formação e aproximar a preparação dos futuros professores das demandas reais do ensino básico.

A implementação das novas diretrizes do MEC é um passo importante, mas não suficiente. A solução para o apagão de professores qualificados passa por uma transformação estrutural na carreira docente que precisa ir além de limitar o EaD. É necessário criar um ambiente que atraia, prepare e retenha os melhores talentos na sala de aula.

Afinal, sem professores preparados e valorizados, não há futuro para a nação. A valorização tem de ir além do post na rede social para que todas as professoras e professores deixem marcas positivas em seus alunos.


Priscilla Bacalhau – Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisadora do FGV EESP CLEAR, que auxilia os governos do Brasil e da África lusófona na agenda de monitoramento e avaliação de políticas

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