“Vegana Sem Grana”, ela faz sucesso ensinando receitas acessíveis

Duzentos e cinquenta quilômetros distante da capital, Salvador, Itacaré tem pouco mais de 28 mil moradores. Carla, que nas redes sociais é a Vegana Sem Grana, já arrebatou quase 60 mil seguidores – a maioria em São Paulo e no Rio de Janeiro.

“Eu falo sobre veganismo acessível, periférico e preto. Ensino receitas, substituições e dou dicas de como fazer a transição de uma forma mais fácil e gostosa”, expõe a comunicadora, que mostra como preparar bolos, hambúrgueres e várias outras delícias sem nenhum ingrediente de origem animal.

“Feijão carioca, salada de rúcula com manga, arroz integral, cortado de batata, cenoura e chuchu e farofa de cuscuz” (Foto: Reprodução/Instagram)

“Me dar conta da crueldade me fez perceber que eu não queria continuar contribuindo com isso”

“Não cresci com a cultura da carne presente porque eu sou pobre. Pobre não come carne todos os dias. Carne é caro. A gente comia duas ou três vezes na semana, no máximo. Os legumes eram presentes porque eram e são mais baratos. Então a cultura da carne nunca esteve presente na minha casa. Hoje a minha convivência com a minha família é muito de boa, mas não foi no início”, conta ela, que se tornou vegetariana aos 19 anos, depois um choque de realidade.

“Vi o teaser do documentário ‘Terráqueos’, que é considerado o documentário mais complexo da causa animal, e fiquei muito mal. Naquele mesmo dia não comi mais nenhum tipo de carne vermelha. Com o tempo, tirei a carne branca e, depois, me tornei ovolactovegetariana. A indústria da carne faz com que a gente fique cega. As pessoas acham que os animais não sofrem no abate, que são criados soltos, pastando. A realidade é que são presos em jaulas minúsculas e sofrem os mais diversos tipos de tortura. Me dar conta da crueldade me fez perceber que eu não queria continuar contribuindo com isso”, revela.

Afroveganismo

Carla explica que o afroveganismo é o veganismo a partir da perspectiva de pessoas pretas. “O movimento vegano de modo geral endossa muito a misantropia. É comum você ouvir de veganos ‘odeio seres humanos’, ‘não confio em humanos, gosto de animais, por isso defendo animais’. Eu não odeio, nem quero odiar seres humanos. Eu quero fazer com que os humanos entendam as opressões e aprendam a lutar contra elas”, conta.

“Dentro do veganismo mainstream, que é esse veganismo que tá aí, considerado elitista, branco, rentável, é comum que os veganos ainda utilizem a imagem de pessoas pretas escravizadas pra se comparar aos animais. Isso é muito racista porque a escravidão ainda não acabou. Diariamente você vê pessoas pretas sendo libertadas de cativeiros, sendo usadas como mão de obra escrava. Se a gente discute veganismo sem falar de racismo, a gente vai tá falando a partir de um ponto supremacista branco e isso é muito perigoso”.

“Tô aqui pra ajudar a transformar as tradições”

“Até quatro gerações atrás, na época da escravidão, a gente não tinha direito a ter tradição, não tinha direito a manter nossos costumes. Quando hoje uma pessoa negra tá nesse caminho de volta ao conhecimento ancestral, diaspórico, você vê que os veganos brancos não dão importância, não entendem como pra gente é importante manter culturas, manter tradições. E as tradições existem pra ser transformadas. E eu como vegana negra, como afrovegana, tô aqui pra isso, pra ajudar a transformar essas tradições, só que respeitando elas”, pontua.

“Hoje lido melhor com qualquer pessoa ao meu lado que consome produtos de origem animal. Quando iniciei, era muito difícil, não conseguia ficar, via um animal morto, sofrimento. Acho que é muito mais fácil e melhor pra mim dar o exemplo com a minha vivência, meu dia a dia” (Foto: Reprodução/Instagram)

A influenciadora, que é lésbica e fala abertamente sobre o assunto, conta que a reação de sua família à sua orientação sexual foi semelhante ao processo do veganismo: bem difícil no começo.

“Sou uma mulher preta, sapatão, vegana, nordestina”

“Quando me percebi lésbica, no ensino médio, estava em um relacionamento há sete anos com um homem. Quando passei na faculdade, consegui terminar meu relacionamento com o cara, que foi muito abusivo, e me relacionar com meninas. Eu morava em Ilhéus, que é uma cidade maior, e saía de mãos dadas com as meninas que estava ficando, ia pra bares, beijava e abraçava em público. Quando ia pra minha cidade, tinha que voltar pro armário de novo. Até meus pais descobrirem. Meu pai me arrancou do armário, foi horrível, a gente ficou cinco anos sem se falar”, entrega ela, que hoje mora com a esposa, Brisa, que virou o xodó da família.

Carla e a esposa, Brisa, que também é vegana (Foto: Reprodução/Instagram)

“Meu pai e a Brisa se adoram. Os dois são flamenguistas e passam horas falando de Flamengo. Minha família toda adora Brisa. Nas redes sociais, falo que eu sou sapatão mesmo pra que LGBTfóbico não me siga, não vá lá reclamar porque eu posto foto com a minha mulher ou qualquer coisa do tipo, e pra mostrar que eu tô falando de um lugar. Sou uma mulher preta, sapatão, vegana, nordestina e baiana”, dispara ela. Arretada.

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