Independente do resultado das urnas no dia 28 de outubro, Salvador terá pela primeira vez em sua história uma mulher negra ocupando o cargo de vice-prefeita, o segundo mais importante da cidade. A escolha de uma representante do sexo feminino e afrodescendente para a função é um marco, sobretudo em uma capital cuja maioria da população é negra, mas ainda registra casos de preconceito racial, e onde as oportunidades de emprego e renda são desiguais para os gêneros, principalmente na área política.
Por: Kleyzer Seixas
Embora a composição da chapa dos candidatos com vices-negras – Célia Sacramento do PV compõe com ACM Neto do DEM e Olívia Santana do PC do B, com Pelegrino (PT) – seja considerada uma avanço, sobretudo simbolicamente, a escolha, por outro lado, suscita questionamentos. Primeiro, pelo papel de “meras coadjuvantes” desempenhado pelas vices, o que, para a socióloga e presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra, Vilma Reis, é uma “imagem usada para compor, ao lado de machos brancos”.
Segundo, pelas escolhas de Célia e Olívia serem encaradas como uma tentativa dos partidos de ampliar sua base eleitoral. Coligando-se a mulheres negras, as chapas resignificam sua marca junto ao eleitorado, de acordo com o cientista político Cloves Oliveira. Tentam, dessa forma, se alinhar às bandeiras da diversidade e da igualdade de direitos para contrabalançar a hegemonia de homens brancos, de classe média, suavizando, assim, o perfil duro das legendas.
Em vez de ocupar a função de vices, Vilma Reis acredita que as legendas deveriam tê-las colocado como candidatas titulares. A socióloga usa como exemplo a candidatura de Benedita da Silva, mulher e negra, à prefeitura do Rio de Janeiro, em 1992, como um ponto positivo para a conquista dos direitos dos afrodescendentes. Já Salvador, para a presidente do Conselho, ainda tem muito a avançar nesse sentido.
“O poder aqui ainda é macho, branco e heterossexual, e não são pensadas outras possibilidades. Por incompreensão e por projeto político de uma classe dominante, simplesmente as mulheres negras não são apresentadas como possibilidade”, afirma Vilma Reis.
Histórico de lutas – As duas candidatas, Célia Sacramento e Olívia Santana rebatem a ideia de um papel secundário atribuído a elas. Argumentam que possuem histórico de luta para a autonomia feminina, conhecimento e experiência necessárias em áreas que lhes permitirão trabalhar na implementação de melhorias para a cidade ao lado do prefeito eleito.
“Não me vejo como coadjuvante em lugar nenhum. Jamais faria esse papel. Desde a escola até a Ufba e Cairu (onde estudou), sempre fui líder de sala. Sou uma líder nata”, garante Célia Sacramento. Já Olívia Santana afirma que não se contentará com o desempenho de uma vice muda, que estará no cargo apenas para compor. “Serei uma vice-prefeita que pretende ajudar meu candidato a governar a cidade”, acrescenta.
Com histórias políticas diferentes, mas igualmente engajadas nos movimentos pela luta da afirmação feminina e da conquista de equidade racial, Célia e Olívia comemoram a escolha e sentem-se orgulhosas de participar de um momento inédito para o processo eleitoral e para a luta da igualdade dos direitos sociais em Salvador. Concordam, contudo, que ainda não é uma conquista plena devido a histórica e “gritante” falta de oportunidade para essa parcela da população.
“É uma forma de recuperar a autoestima da mulher negra, marcada pela ideia de estar fadada a ser empregada doméstica , servente ou para desempenhar trabalhos de limpeza. Fomos criadas com esse complexo de mucama”, afirma a candidata do PC do B. A parceira de chapa de ACM Neto vai na mesma linha: “Sempre fomos excluídos, e esse é um momento importante para a nossa história, um momento real de inclusão social”.
Modelo americano – A escolha de políticos negros para encabeçar as chapas, usando como parâmetro os Estados Unidos, nem sempre é feita na primeira participação das candidaturas majoritárias, como explica o cientista político Cloves Oliveira. Nos EUA, entre a década de 60 e 90, muitas oportunidades foram resultado de alianças de candidatos a prefeito brancos, aliados a vices negros, que, logo em seguida, conseguiam apoio político e suporte para concorrer à cadeira de prefeito, e posteriormente, de governador. Há quatro anos, o país levava à Casa Branca o primeiro presidente negro de sua história.
“O grande equivoco é que algumas lideranças falam em termos de ‘só’ conquistou a cadeira de vice-prefeito por questões de interesse estratégico de um determinado partido. Ao passo que uma reflexão, seria: ‘já conquistamos uma cadeira de vice, e podemos trabalhar em prol de uma cadeira de titular'”, afirma o professor da Ufba.
O sociólogo Ordep Serra concorda com a avaliação de Vilma Reis ao afirmar que a candidatura de Célia e Olívia ainda não correspondem às necessidades de inclusão social e feminina. “Ainda temos poucas mulheres negras ocupando espaços importantes e quem vencer não deve esquecer que em Salvador a violência contra a mulher ainda é muito grande, e que a população negra é ainda mais pobre, marginalizada e desassistida”.
Fonte: Portal A Tarde