Vicente Mariano, Candomblé e Intolerância Religiosa

Segundo dados do IBJE de 2010, a população campinense possui 58% de pretos e pardos. Logo, entregar um título de cidadania para o senhor Vicente Mariano é contribuir para dar visibilidade e autoestima ao povo de santo, povo este, que historicamente vem sendo marginalizado e discriminado em todos os setores da sociedade campinense. Temos, portanto, que reconhecer e perceber que o Tatalorixá Vicente Mariano, fundador do Terreiro Senhor do Bonfim Ilê Oxum Ajamim, é parte integrante desse processo de luta e história de resistência do povo negro contra a intolerância religiosa. E que pela sua atuação valorosa e corajosa em mais de 63 anos de iniciação no candomblé de Nação Nagô ele merece, indubitavelmente, ser reconhecido pelo seu trabalho permanente em defesa das religiões de matriz africana.

por Jair Silva Ferreira via Guest Post para o Portal Geledés

Num país onde no passado muitos Babalorixás e Yalorixás foram agredidos e humilhados, tendo seus terreiros invadidos pela polícia e objetos sagrados destruídos, visto que de acordo com uma psiquiatria racista que imperava na academia brasileira no final do século XIX e início do século XX o candomblé era visto como uma verdadeira anomalia e doença mental de negros e negras. Não foi por acaso, que muitos dos seus praticantes foram presos pela polícia e depois enviados para manicômios no Brasil. O povo de santo, na verdade, sempre foi alvo da mais dura e cruel perseguição religiosa no Brasil e, infelizmente, percebemos que essa intolerância religiosa que perseguiu em outrora os candomblecistas e umbandistas ainda não acabou, em que pese a Constituição Federal garantir a igualdade de todos perante à lei e a liberdade de culto para todos os brasileiros.
É que no Brasil nos últimos 9 anos, calcula-se que pelo menos 22 sacerdotes das religiões de matriz africana foram assassinados. 15 deles só no estado do Amazonas, o que revela um profundo sentimento de intolerância que vem ceifando vidas de seres humanos, que não tem se quer o direito de cultuar os seus deuses e deusas trazidos da África. A Paraíba, lamentavelmente, faz parte desse contexto no qual o racismo que atinge de forma violenta o povo de santo pôde ser visto na cidade sertaneja de Brejo dos Santos, cidade onde no ano de 2012 um terreiro foi invadido, profanado e destruído totalmente por um grupo de fundamentalistas evangélicos.
Esses dados sobre mortes e assassinatos de adeptos do candomblé, por si só, já são suficientes para qualquer agente público deixar sua ilha de conforto para notar que não podemos mais ficar calados diante da intolerância religiosa. Sendo assim, acreditamos que a concessão do título de cidadão campinense para o senhor Vicente Mariano é uma boa razão para começarmos a pensar em construir políticas públicas, voltadas para garantir o direito à vida ao povo de santo que vem sendo vítima do racismo desumano e cruel. Pensar em políticas que possam saldar essa dívida social e histórica que o Estado brasileiro tem com segunda maior população negra do mundo, que vive no Brasil historicamente com uma cidadania de segunda classe. Sempre é bom lembrar que Vicente Mariano além de ser candomblecista, é negro. E quem carrega essa marca na pele já enfrentou ou vai enfrentar algum dia os duros golpes do racismo.
À guisa de conclusão, Campina Grande conta com dezenas de terreiros de umbanda e candomblé.

Entretanto, como já afirmamos nesse texto, por conta do racismo os adeptos das religiões de matriz africana e afro-ameríndia como os juremeiros, vêm sofrendo com vários ataques e agressões, sendo também constantemente vítimas do preconceito e da intolerância por parte de outros segmentos religiosos fundamentalistas. Portanto, reconhecer o trabalho religioso do pernambucano Vicente Mariano é, antes e mais nada, reconhecer sua luta contra essa realidade marcada pela perseguição ao povo de santo, uma vez que o senhor Vicente tem uma vida dedicada à preservação da Tradição dos Orixás em nosso município, pois se não fosse o Tatalorixá Vicente Mariano temos absoluta certeza que não existiriam outras casas de santo em Campina Grande como o Ilê de Ogum Jobioô do Babalorixá Ubirajara Alves lá no bairro do Belo Monte. Não existiria o Ilê Airá Bolomim Lodé do Babalorixá José Roberto no bairro das Cidades. Como também não existiriam os Terreiros Ilê Axé Malabí do Pai Chico e Senhor do Bonfim Oyá Gandê da Yalorixá Mãe Suênia.

+ sobre o tema

Comunidade quilombola de Cairu (BA) é ameaçada por fazendeiro

Batateira, quilombo situado numa ilha no município de...

Quilombolas poderão comercializar produtos com nota fiscal

Quilombolas do estado do Espírito Santo, certificados pela Fundação...

Fundo Rotativo Solidário beneficiará empreendedores do Fórum da Economia do Negro de Fortaleza (CE)

Por: Karol Assunção   Adital – Empreendedores/as da capital cearense organizados...

para lembrar

Exposição resgata pesquisas do artista Carybé sobre a cultura africana

Em mostra aberta na Caixa Cultural, exposição ressalta aspectos...

O racismo não bateu à porta, mas entregou uma carta

Não é novidade que o Brasil é um país...
spot_imgspot_img

Na mira do ódio

A explosão dos casos de racismo religioso é mais um exemplo do quanto nossos mecanismos legais carecem de efetividade e de como é difícil nutrir valores...

Intolerância religiosa representa um terço dos processos de racismo

A intolerância religiosa representa um terço (33%) dos processos por racismo em tramitação nos tribunais brasileiros, segundo levantamento da startup JusRacial. A organização identificou...

Intolerância religiosa: Bahia tem casos emblemáticos, ausência de dados específicos e subnotificação

Domingo, 21 de janeiro, é o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Nesta data, no ano 2000, morria a Iyalorixá baiana Gildásia dos...
-+=