“Eu pinto autorretratos porque fico sozinha com muita frequência, porque sou a pessoa que conheço melhor”, disse a artista mexicana Frida Kahlo. O status cultuado e icônico de Frida se deve muito aos seus autorretratos, nos quais ela capturou e interpretou sua própria e distinta identidade visual.
Da BBC
O tema levanta uma questão em uma nova exposição: a imagem pessoal e única de Kahlo era tão central para seu mito e persona como parte de sua obra? E o que o seu estilo pessoal e seus objetos dizem sobre sua vida e sua arte?
Durante 50 anos, até 2004, roupas de e outros itens pessoais de Frida ficaram trancados na Casa Azul, residência e estúdio em Coyoacán, perto da Cidade do México, onde a artista morava com seu marido muralista Diego Rivera. Após a morte de Frida, Rivera trancou 6 mil fotos, 300 itens pessoais e roupas, e 12 mil documentos no banheiro da casa. Quando eles finalmente foram revelados, historiadores levaram 4 anos para organizá-los e catalogá-los e, agora, pela primeira vez, esses artefatos deixaram a Casa Azul para serem expostos no Museu Victoria e Albert, em Londres.
Na exibição Frida Kahlo: Fazendo-se, os vestidos e outros itens pessoais são expostos ao lado de suas pinturas, mostrando a conexão íntima entre os dois. Ela é apresentada como um tipo de artista performática, cuja identidade era uma extensão de sua arte. Os vestidos coloridos e adornos com flores estão lá, junto de suas próteses pintadas a mão e seus corpetes que ajudavam a apoiar e mascarar suas defiências físicas.
Muito mais foi compreendido sobre o acidente de Frida após a descoberta dos seus objetos. Itens como seus remédios e auxílios ortopédicos iluminam sua história, além dos corpetes e correias que usava para apoiar sua coluna – incluindo alguns corpetes que ela pintou com símbolos religiosos e comunistas, além de imagens que fazem referências aos bebês que perdeu.
Estilo adaptado ao corpo
A co-curadora da exibição, Circe Henestrosa, disse à BBC que a construção da identidade de Frida “em torno de suas políticas, sua etnia e deficiência” é a tese central da mostra.
“A exposição busca dar um contexto pessoal, cultural e político à história de Kahlo. Ela sobreu um acidente terrível e quase fatal aos 18 anos de idade, o que a prendeu à cama e a deixou imobilizada. Muito mais foi entendido sobre o acidente após a descoberta dos objetos na Casa Azul e a mostra ilumina essa história através de seus remédios e auxílios ortopédicos.”
Muitos dos objetos – como seus corpetes e próteses – revelam novos detalhes sobre o acidente quase fatal de Frida quando ela tinha 18 anos (Crédito: Victoria and Albert Museum)
Com a descoberta dos objetos pessoais da artista, novos insights são revelados sobre como o estilo pessoal era em parte guiado por suas deficiências. “Roupas se tornaram parte de sua armadura, para desviar, omitir e distrair de seus ferimentos”, diz Henestrosa.
“Frida passou por múltiplas operações tanto no México quanto nos Estados Unidos, e teve que usar corpetes ortopédicos feitos de couro e plástico. Seus corpetes eram necessários por razões médicas, mas ela também os decorou elaboradamente. Os vestidos do tradicional estilo indígena que ela adotou permitiram que ela combinasse esses itens sob longas saias e blusas com cortes geométricos.”
“Eu acho que o estilo poderoso de Kahlo integra seu mito tanto quanto suas pinturas. É sua construção de identidade através de sua etnia, sua deficiência, suas crenças políticas e sua arte”, diz Henestrosa.
Quando Frida adotou o tradicional vestido Tehuana, ela queria reforçar a identidade mexicana, explica Henestrosa, e o vestido Tehuana vem de uma sociedade matriarcal no sudeste do México chamada Istmo de Tehuantepec.
“Frida entendeu o poder do vestido desde muito cedo”, explica a curadora. “Como resultado de ter pólio aos 6 anos de idade, ela ficou com uma perna murcha e mais curta, algo que a levou a escolher saias longas. Ela começou a usar três a quatro meias na parte mais fina de sua panturrilha, além de sapatos com um salto interno para mascarar sua assimetria.”
Isso mostra como ela construiu uma relação entre seu corpo e o vestido desde cedo. Através do uso de seus autorretratos e do uso de vestidos tradicionais mexicanos para se estilizar, Frida lidou com sua vida, suas visões políticas, suas batalhas de saúde, seu acidente e seu casamento turbulento.
A ideia de desvendar tesouros escondidos é central para a exposição, diz o designer Tom Scutt. “Há um espírito único de tempo e espaço nessa exposição. A atitude de destrancar um quarto na Casa Azul para descobrir todos os pertences de Frida ecoa na noção de chegar em uma mostra como visitante e descobrir os pertences por si mesmo. Por causa disso, a exposição tem uma carga mágica inegável”.
Dualidade, reflexão e repetição
A exibição explora a infância de Frida e inclui um álbum de fotos de arquitetura de igrejas feitas pelo seu pai, o alemão Guillermo Kahlo. Também há fotos antigas e pinturas de Frida e Rivera com seu círculo de amigos famosos, incluindo Leon Trotsky.
Seu senso de orgulho da cultura mexicana após a Revolução do México (1910-20) também está presente em seus itens escondidos – seu interesse nas artes, artesanatos e tradições do povo indígena do México era uma paixão.
O período das décadas de 1920 e 1930 foi marcado pelo que ficou conhecido como “Renascença Mexicana”, com o país atraindo artistas, escritores, fotógrafos e cineastas do mundo inteiro. Fotos tiradas por Edward Weston e Tina Modotti em 1920 também estão expostas. E há um mural de votos religiosos da coleção de Frida e Rivera. As pequenas pinturas oferecidas a santos eram uma influência para o casal de artistas.
Entre as roupas expostas estão os tradicionais huipil (blusas bordadas em quadrados), rebozos (xales mexicanos), enaguas e holanes, saias longas e jóias incluindo jades colombianas e peças modernas de prata.
Há um resplandor, uma faixa usada tipicamente na cabeça pelas mulheres de Itsmo, assim como um retrato de Frida usando um. E também há o batom vermelho da Revlon original da artista e o kajal que ela usava para definir sua famosa monocelha.
“A vida de Frida era cheia de dualidade e ideias complexas e opostas, a noção de olhar para si no espelho para pintar um autorretrato se tornou central [para a exposição]”, diz o designer Scutt. “É essa dualidade, reflexão, repetição que tentamos expandir pela exibição que dão aos visitantes uma ideia de dualidade.”
Essencialmente moderno
O arquiteto Matt Thornley, da empresa de arquitetura Gibson Thornley, que organizou a exibição com Scutt, diz que a complexidade de Frida é central.
“A imagem externa de Frida é tão poderosa”, diz ele. “Os retratos fotográficos estão explodindo de cor e vida, assim como suas pinturas. A exibição explora isso, mas também sua fragilidade física e sua força interna. São essas complexidades que fazem dela uma figura tão duradoura e interessante.”
Assim como a própria artista, o design da exibição é “essencialmente moderno”, diz Thornley. “Age como um pano de fundo para os objetos e pinturas que descrevem eventos chave em sua vida. A exibição explora as raízes de Frida e sua posição dentro de um contexto maior de arte, cultura e política no México dos anos 1920 e 1930.”
“A vida de Frida era cheia de dualidade e ideias complexas e opostas, a noção de olhar para si no espelho para pintar um autorretrato se tornou central [para a exposição]”, diz o designer Scutt. “É essa dualidade, reflexão, repetição que tentamos expandir pela exibição que dão aos visitantes uma ideia de dualidade.”
Essencialmente moderno
O arquiteto Matt Thornley, da empresa de arquitetura Gibson Thornley, que organizou a exibição com Scutt, diz que a complexidade de Frida é central.
“A imagem externa de Frida é tão poderosa”, diz ele. “Os retratos fotográficos estão explodindo de cor e vida, assim como suas pinturas. A exibição explora isso, mas também sua fragilidade física e sua força interna. São essas complexidades que fazem dela uma figura tão duradoura e interessante.”
Assim como a própria artista, o design da exibição é “essencialmente moderno”, diz Thornley. “Age como um pano de fundo para os objetos e pinturas que descrevem eventos chave em sua vida. A exibição explora as raízes de Frida e sua posição dentro de um contexto maior de arte, cultura e política no México dos anos 1920 e 1930.”
A exibição explora o poder da artista, mas também sua fragilidade física (Crédito: Nickolas Muray/Victoria and Albert Museum)
A individualidade de Frida, sua energia e modernidade fizeram dela um ícone inigualável. Mas será que ela continuará a influenciar gerações futuras? A co-curadora Circe Henestrosa acredita que sim.
“Frida Kahlo é o próprio modelo da artista boêmia: única, rebelde e contraditória, uma figura cult que continua sendo apropriada por feministas, artistas, estilistas e a cultura popular. Como uma mulher, uma artista, um ícone, Kahlo conquistou uma aclamação quase universal rara. Em uma sociedade muitas vezes obcecada com a destruição das paredes do mundo interno, Kahlo é a própria personificação do ethos contemporâneo. Suas escolhas de roupas refletiam uma habilidade intuitiva de usar uma imagem visual ousada em uma época em que homens dominavam o mundo da arte e foi através da arte e da vestimenta que ela demonstrou suas crenças políticas ao mesmo tempo em que lidou com suas deficiências.”
E uma coisa é certa, as paixões feministas e contraculturais de Kahlo combinam perfeitamente com os tempos de hoje. Como diz Henestrosa: “Durante sua vida, Kahlo às vezes era vista como ‘exótica’, tratada com paternalismo ou excluída, mas hoje – sua identidade interseccional, complexa e autoconstruída é melhor compreendida e é inspiradora. Essa é a mensagem que queremos passar nessa exposição. Ela era uma artista mulher mexicana com deficiência buscando um lugar para uma mulher artista em um ambiente altamente dominado por homens na Cidade do México. Nós, mulheres, não estamos lutando pela mesma coisa hoje? Quão mais relevante e atual ela pode ser?”