Violência contra a mulher: Mulheres rejeitam explicação simplista de delegado

Representantes de entidades ligadas ao movimento social feminista e de mulheres criaram manifesto em repúdio às declarações do Delegado de Homicídios Dr. Rubens Recalcatti. Na matéria intitulada “Paraná é o terceiro estado no ranking da violência contra a mulher”, publicada no jornal Gazeta do Povo do último dia 08 de maio, o delegado foi simplista no julgamento em relação aos direitos das mulheres. Em tempo: a nota lembrava que poucos meses de completar seis anos de vigência da Lei Maria da Penha, o Paraná foi apontado como a terceira unidade da federação em violência contra a mulher.

A União Brasileira de Mulheres (UBM), que coordena o projeto “Fortalecer o Protagonismo no Enfrentamento Contra as Mulheres na Democratização da Mídia”, denuncia esse tipo de violência simbólica que muitas vezes passa despercebida. A entidade entende que o reforço dos estereótipos e de processos que mantém as mulheres na submissão servem apenas ao machismo e ao patriarcalismo vigente. Para a coordenadora da UBM, Elza Maria Campos, fatos como esses podem ser vistos como uma oportunidade para as mulheres fazerem o controle social da mídia. “Temos de tomar conhecimento sobre esses abusos, sobre o discurso machista que reforça esteriótipos e buscar os nossos direitos. Lutamos pela emancipação da mulher e esse fato mostra que a violência tem de ser combatida cotidianamente. Mas do que nos libertar desse processo, temos também de termos coragem para denunciar”, declara Elza.

Veja abaixo o conteúdo do Manifesto na íntegra:

MULHERES REJEITAM EXPLICAÇÃO SIMPLISTA DE DELEGADO

Em entrevista ao jornal Gazeta do Povo de 08/05/2012 sobre o aumento de homicídios de mulheres no Paraná, o Delegado de Homicídios Dr. Rubens Recalcatti diz: “As mulheres passaram a frequentar o mundo das drogas e a se relacionar com pessoas erradas. Elas queriam direitos iguais e, quando os conquistaram, não souberam o que fazer….”.

Com esta declaração o Delegado responsabiliza as próprias mulheres pelo aumento da violência que se abate sobre elas, revelando, em primeiro lugar, o descaso com outras informações que o estudo original do Instituto Sangari divulgou: mais de dois terços das violências notificadas no Brasil ocorrem dentro de casa. No Paraná, dos 330 homicídios femininos ocorridos no estado em 2009, segundo declarações de óbitos, 1/3 se deram no domicílio. Nas violências que não resultaram em morte, captadas pela ficha de atendimento em unidades de saúde – SINAN, nos anos de 2009 a 2011, o principal local de ocorrência da violência contra mulheres foi o domicílio, correspondendo a 67,4% dos casos notificados. E quem agride é o companheiro, marido, namorado ou ex.

Portanto, no conjunto da violência contra as mulheres, é preciso reconhecer que uma parte expressiva desse quadro é consequência de relações desiguais de poder entre homens e mulheres, em especial nas relações conjugais. Essa é denominada de violência de gênero, cuja base está na cultura machista, que desvaloriza meninas e mulheres e autoriza o homem a agredir, a violentar e a matar. A impunidade dos agressores reforça o ciclo de violência.

Em segundo lugar, constata-se o simplismo da análise do delegado, ao tratar de um fenômeno complexo como é a violência urbana. Inúmeros estudos mostram que o crime organizado, o tráfico de drogas e o acesso facilitado às armas de fogo estão associados ao aumento da violência, que tem dizimado especialmente os homens – jovens, negros e pobres – e que o enfrentamento desta realidade exige políticas públicas integradas e contínuas, com base no conhecimento das causas determinantes desse fenômeno.

Precisamos contar com fontes de registros que produzam informações consistentes e atualizadas, bancos de dados que dialoguem entre si, investigações que explicitem as interrelações por trás dos homicídios, análises que levem em conta a complexidade social do fenômeno. A saúde tem sido uma fonte importante, em especial o Sistema de Informações de Mortalidade – SIM, porque padronizou conceitos e metodologias de registro, controle, e produção de indicadores que permitem comparar localidades diferentes. Até o momento a maior dificuldade no Paraná tem sido o acesso aos registros oficiais da Secretaria de Segurança que armazena os Boletins de Ocorrência e laudos do IML.

Precisamos de novos corações e mentes – na academia, nos movimentos sociais, nos órgãos públicos, nos meios de comunicação – para que tenhamos políticas públicas baseadas no conhecimento dos nexos causais da violência e não em avaliações carregadas de preconceito.

Assinam: Rede Feminista de Saúde e DSR/PR; Rede de Mulheres Negras /PR; União Brasileira de Mulheres/PR; Espaço Mulher ; ABEN/PR e outras.

Fonte: União Brasileira de Mulheres

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