O choro do Naldo, a carta do Zé Mayer: Por que a vitimização não resolve

No País em que a cada hora mais de 500 mulheres são alvos de violência, frases de efeito são insuficientes para reparar toda a violação.

por Ana Beatriz Rosa no HuffPost

Este é o termo do vocabulário feminista (usado principalmente pela militância em redes sociais) para ironizar comportamentos de homens, em geral machistas, ao tentar argumentar ou se justificar sobre algo. Porém, a tentativa de responsabilização pela violência muitas vezes leva à vitimização de agressores. E isso vai além de conceitos usados na internet. No País em que a cada hora mais de 500 mulheres são alvos de violência, frases de efeito são insuficientes para reparar toda a violação física e psíquica as quais as vítimas são submetidas.

Só no último ano, o Brasil foi palco de pelo menos quatro casos de ampla repercussão – listados abaixo – em que homens famosos agrediram ou assediaram mulheres e depois demonstraram estar arrependidos.

O caso mais recente foi protagonizado pelo cantor Naldo Benny, nesta quinta-feira (7). Após ser denunciado por Ellen Pereira Cardoso, ex-companheira, por violência doméstica recorrente durante os sete anos de relacionamento, o funkeiro pediu desculpas e disse que estava “destruído” com toda a situação.

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Em abril deste ano, a figurinista da Rede Globo Su Tonani relatou ter sofrido assédio do ator global José Mayer. Após repercussão do caso, o ator foi suspenso de qualquer trabalho por tempo indeterminado na emissora.

Em carta enviada à imprensa, José Mayer pediu desculpas a Su Tonani e disse esperar “que este meu reconhecimento público sirva para alertar a tantas pessoas da mesma geração que eu”.

“Errei no que fiz, no que falei, e no que pensava. A atitude correta é pedir desculpas. Mas isso só não basta. É preciso um reconhecimento público que faço agora. Mesmo não tendo tido a intenção de ofender, agredir ou desrespeitar, admito que minhas brincadeiras de cunho machista ultrapassaram os limites do respeito com que devo tratar minhas colegas. Sou responsável pelo que faço”, justificou o ator.

No mesmo mês, o médico Marcos Harter, expulso do Big Brother Brasil 17 após ser flagrado agredindo a estudante Emilly Araújo, com quem mantinha um relacionamento na casa, publicou uma nota sobre o caso.

“Como todo casal passamos por momentos de alegria, ansiedade, euforia e tensão. Jamais tive a intenção de machucar física ou emocionalmente uma pessoa pela qual nutri tanto carinho e afeto”, escreveu no Instagram, acrescentando que o programa o levou ao “limite”.

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Ainda em abril, o cantor Victor Chaves foi indiciado pela Polícia Civil de Minas Gerais por agressão contra a mulher, Poliana Bagatin.

Em vídeo publicado no Instagram, o sertanejo justifica sua atitude dizendo que “não machucou ninguém” e ​ que veio a público para “esclarecer uma coisa diante da qual surgiram e surgem incontáveis boatos” e que praticou “um ato de desespero para conter uma pessoa que estava completamente fora de si”.

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Mas eles não são os únicos.

Violência contra a mulher é diária

Mais de 60% dos brasileiros já presenciaram uma mulher sendo agredida. Só em 2016, a cada hora, mais de 500 mulheres foram violentadas, ameaçadas e espancadas. Ao todo, foram 4,4 milhões de mulheres vítimas de alguma agressão, de acordo com o Datafolha.

A pesquisa mostra que 9% das entrevistadas relatam ter levado chutes, empurrões ou socos e que 10% dizem ter sofrido ameaças de apanhar. Ainda, 22% afirmam ter recebido insultos e xingamentos ou terem sido alvo de humilhações (12 milhões) e 10% (5 milhões) ter sofrido ameaça de violência física. Há também casos relatados mais graves, como ameaças com facas ou armas de fogo (4%), lesão por algum objetivo atirado (4%) e espancamento ou tentativa de estrangulamento (3%).

Segundo as mulheres ouvidas, 61% dos agressores são conhecidos. A pesquisa mostra que 19% apontam o próprio cônjuge, companheiro ou namorado como agressor. Em 16% dos casos, a violência é cometida pelo ex.

Porém, ainda há dificuldade por parte da sociedade de reconhecer que o machismo é, sim, capaz de matar. De março de 2015 até dezembro de 2016, apenas 36% dos casos noticiados no País classificaram a violência contra a mulher pela sua condição de gênero.

Para a professora Lourdes Maria Bandeira, do Departamento de Sociologia da UnB, a maioria dos casos de crimes contra a mulher ainda são classificados como “crimes passionais” e isso contribui para a impunidade dos agressores.

Já Rosane Borges, professora colaboradora do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celac) da USP, argumenta que a falta de contextualização dos crimes como um problema social dificulta a luta contra a violência doméstica.

“Quando trata o caso como um problema isolado ou de ordem psicológica a gente tira a responsabilidade da sociedade, do Estado porque na verdade o que está se querendo dizer é que isso acontece ‘não é problema meu’ e atribui a um desvio de um homem numa situação em que se viu fragilizado.”Rosane Borges

Em entrevista ao HuffPost Brasil, Ana Rita Prata, coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública de São Paulo, chama atenção de que as mulheres possuem o direito inviolável de viverem sem violência. E que é papel do Estado garantir a segurança não só pela via criminal.

“As políticas públicas, incluindo o judiciário, devem garantir proteção à mulher independente da esfera criminal. Não necessariamente é preciso ter uma notícia de crime, um boletim de ocorrência, para conceder uma medida protetiva. Com essa alteração, pode causar ruído e as mulheres acreditarem que precisam ir à delegacia, mas elas têm outras vias, como buscar o Ministério Público e as Defensorias Públicas”, conclui a defensora.

Não silencie!

“Foi só um empurrãozinho”, “Ele só estava irritado com alguma coisa do trabalho e descontou em mim”, “Já levei um tapa, mas faz parte do relacionamento”. Você já disse alguma dessas frases ou já ouviu alguma mulher dizer? Por medo ou vergonha, muitas mulheres que sofrem algum tipo de violência, seja física, sexual ou psicológica, continuam caladas.

Desde 2005, a Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, funciona em todo o Brasil e auxilia mulheres em situação de violência 24 horas por dia, sete dias por semana. O próximo passo é procurar uma Delegacia da Mulher ou Delegacia de Defesa da Mulher. O Instituto Patrícia Galvão, referência na defesa da mulher, tem uma página completa com endereços no Brasil. Clique aqui.

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