Vítima de estupro na USP diz sofrer preconceito após denunciar caso

Estudante de medicina depôs na CPI que investiga trotes e abusos na USP.
Crime ocorreu no campus de Ribeirão Preto em agosto de 2014.

por Fernanda Testa no G1

A estudante de 19 anos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), vítima de estupro no campus de Ribeirão Preto (SP), afirma que é tratada com rejeição por parte dos colegas de curso. A jovem, que atualmente cursa o segundo ano de medicina, foi estuprada em agosto do ano passado por um colega de sala, que também era seu ex-namorado. Além de uma sindicância na universidade e de um processo que corre em segredo de Justiça o caso é também é alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

Em depoimento prestado na Alesp na última sexta-feira (20), a estudante relata que grande parte dos colegas encara a repercussão do crime com desaprovação. “A sala assume uma postura de ‘não aconteceu’ para se sentir mais segura. É melhor pensar que eu estou exagerando do que ver que conviviam com uma pessoa [acusado] desse tipo e não tinham noção. E achavam ele legal, achavam um amigo. Você vê um olhar [das pessoas] que já deixou de ser de dúvida e já é um olhar de desaprovação. Porque eles me tomaram como o motivo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto estar sendo alvo nessa CPI. É você, porque você foi lá e abriu a sua boca”, afirma.

A vítima também criticou a conduta da diretoria da Faculdade de Medicina acerca do andamento da sindicância administrativa instaurada na universidade para investigar o caso. Segundo a estudante, a direção, além da demora em ouvi-la formalmente, ainda não deu nenhum parecer sobre a conclusão das investigações. “A sindicância sumiu. O diretor [Carlos Carlotti Júnior] disse que tinham uma comissão e que estavam apurando. Dei o depoimento no dia 17 de dezembro. Depois disso, não tive mais informação alguma dessa sindicância. Nada”, diz.

Em nota, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) informou que o fato ocorreu durante período normal de aulas no campus da USP, não estando relacionado a nenhuma atividade festiva ou similar dos alunos.

A sindicância que apura a denúncia de estupro no campus ainda está em andamento e que somente após o fim do processo serão decididas quais medidas administrativas serão tomadas.

Segundo a FMRP, a direção presta apoio médico e psicológico a aluna desde o início por meio do Hospital das Clínicas da USP, que possui serviço especializado para suporte a vítimas de violência sexual.

A FMRP informou ainda que, desde a denúncia, o aluno envolvido não frequenta as aulas, segundo seu pai, por decisão da família. O estudante, de acordo com a faculdade, não pode ser suspenso até que a sindicância instalada seja encerrada.

O namoro
A estudante conta que começou a se relacionar com o acusado no início do ano passado, assim que as aulas começaram. Ela relata que no início do namoro o estudante parecia ser uma pessoa divertida e de fácil relacionamento, mas com o decorrer do tempo a situação mudou. “Ele se tornou frio de repente. Me ignorava, me desprezava, me humilhava na frente de amigos. Ele não me procurava sexualmente. Não queria saber. Agora, quando a gente acabava brigando e eu chorava, aí sim, ele queria. Sempre. A gente brigava, eu chorava, e impressionantemente ele ficava excitado. E aí ele queria alguma coisa comigo. Aconteceu pelo menos umas cinco vezes”, afirma.

Em julho, durante o período de férias, a estudante decidiu terminar o relacionamento. O jovem, no entanto, se mostrou inconformado com a situação e, segundo a estudante, a procurava sempre insistindo para que reatassem o namoro. A jovem, que já tinha começado outro relacionamento com um estudante, também da mesma turma, resolveu contar para o ex-namorado que não estava mais sozinha.

“Eu disse: eu estou com outra pessoa. Não quero mais nada com você. Ele passou uns dois ou três dias sumido. Masdepois voltou. Ficava me importunando, me perseguindo, o tempo inteiro querendo conversar. Começou a falar que ia se matar, que estava muito doente, que estava fazendo tratamento psicológico e psiquiátrico, que chorava muito que não conseguia comer.
Era tão constante que eu cheguei a falar com um amigo dele, e perguntei como ele estava de verdade. E esse amigo disse que ele estava mal mesmo, dizendo que ia se matar. Comecei a ficar muito preocupada com isso”, diz.

O estupro
Depois de muita insistência do estudante, a jovem concordou em encontrá-lo no campus da USP para conversar. O encontro aconteceu no final da manhã do dia 8 de agosto. O casal, a princípio, havia combinado de almoçar em um dos restaurantes da universidade, mas por sugestão do estudante decidiram caminhar próximo a um lago no campus. “O lago é uma região frequentada pelos estudantes. Tem uma trilha, é um lugar bonito de se andar. Fomos conversando, e ele voltou com a história de que estava mal, que iria se matar. Chegou num ponto da trilha que ele virou e começou a perguntar quem era a pessoa que estava comigo. Porque ele não sabia ainda quem era”, afirma.

Quando a estudante contou que o novo namorado era outro colega de turma, o estudante entrou em crise. “Ele enlouqueceu. Chutava folha no chão, batia nas árvores, dizia: você não podia ter feito isso comigo. Colocava a mão na cabeça, respirava com dificuldade, agachava no chão, começava a chorar e depois batia na árvore de novo. Uma parte minha disse para eu sair dali, porque ele estava completamente louco. Mas eu estava preocupada com ele. Porque ele dizia tanto que ia se matar, que se eu deixasse o menino sozinho ali naquela situação, eu não sabia o que ele poderia fazer”, diz.

Depois de um tempo, o estudante aparentemente se acalmou. Depois de conversar com a estudante, ele sinalizou que queria fazer sexo com ela. “Ele parou e disse que queria ter uma última vez comigo. Eu falei que não. Falei: Você está louco? Aí ele meio que levantou para ir embora. E eu levantei também. Quando levantei, ele agarrou meu cabelo e tentou me beijar. Eu virei a cara. Ele tentou me abaixar como se quisesse que eu fizesse sexo oral nele. Quando tentei sair dali, ele segurou  meus braços falou na minha orelha, em alto e bom tom: eu ainda não terminei”, relata.

De acordo com a vítima, o ex-namorado abaixou as calças dela e tentou penetrá-la, ainda de calcinha. “Lembro disso muito bem porque lembro do tecido penetrando. E eu falando para ele: não, pára. Eu achava que ele ia parar. Quando o tecido penetrou daquele jeito, pensei: ele não vai parar. Então ele abaixou minha calcinha, segurou nos meus pulsos e penetrou”, conta.

A estudante relata que estava usando uma pomada para tratar de candidíase, o que dava a impressão de que ela estava lubrificada. Depois de ejacular, o jovem largou a vítima caída no chão e saiu andando pela trilha. “Eu me vesti, estava em estado de choque naquele momento, chorando, não conseguia respirar direito, falar direito. E eu vi que ele estava bem na frente. Mas ele parou no meio da trilha e tentou estender o braço para me tocar. Eu gritei: não toca em mim! Você tem ideia do que você fez? Você me estuprou ali atrás. Aí ele disse: eu não estuprei, você queria, estava molhada. Falei: Aquilo era pomada”, diz.

Momentos depois, o estudante entrou em crise novamente e começou a chorar, questionando o que tinha feito com a vítima. “Fiquei olhando aquela situação pasma. De repente ele parou, começou a rir e disse: ninguém vai acreditar em você. Olha a minha altura, olha a sua. Ninguém vai acreditar em você. Eu falei: sei muito bem o que você fez, me estuprou. Vou te denunciar. Aí ele começou a chorar de novo, disse que precisava ser internado, que precisava ir para a psiquiatria. E eu lá olhando a situação. De repente ele me olhou e disse: eu vou ligar pro seu namorado, ele tem que saber o que aconteceu aqui. Eu vou falar que você queria. Eu me senti em perigo naquele momento. Se ele tentasse fazer alguma outra coisa não tinha para onde correr. Eu estava sem celular. Falei: não. Tudo bem. A gente esquece isso”, relata.

Segundo a estudante, um amigo do suspeito o levou até a ala de psiquiatria da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas (HC-UE), onde o jovem ficou internado. A vítima contou sobre o estupro para o namorado, que a acompanhou naquele mesmo dia até a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). A jovem passou por exame de corpo de delito no HC-UE. A diretoria da universidade foi acionada e uma sindicância administrativa foi instaurada para apurar o caso.

Convivência na universidade
Depois do estupro, a vítima passou uma semana na casa dos pais, em Caraguatatuba (SP). Ao voltar a frequentar as aulas na faculdade, a estudante conta que os colegas não sabiam como lidar com a situação. Ela também conta que passou a ficar muito tempo junto com o namorado, por medo de ficar sozinha. “Eu tinha muito medo, o tempo inteiro. Medo é uma coisa que te acompanha o tempo todo depois que uma coisa dessas acontece. Você dorme pensando: deixei a janela aberta, alguém pode entrar e me estuprar. Você só se sente mais ou menos seguro quando está com alguém, porque aquela pessoa pode te defender”, diz.

Com o passar do tempo, burburinhos sobre o estupro começaram a se espalhar pela sala de aula da estudante. Segundo ela, um amigo do suspeito dizia que a vítima estava mentindo. “Comecei a perceber os olhares tortos. Começaram a me isolar. Era impressionante. Outro aluno ligou para o meu namorado falando: Você não sabe quem ela é. Vai acreditar nela assim? Você não ouviu o outro lado. Meu namorado disse que me conhecia e o aluno falou: pensa no que a faculdade vai pensar de você. O que a faculdade vai pensar de você? Meu namorado falou: o que a faculdade vai pensar dele, né? E encerrou o assunto”, afirma.

À espera do julgamento do caso na Justiça, a estudante diz que tenta se reeguer no ambiente universitário e espera que a universidade tome as devidas providências em relação ao caso.” Depois do que ele [ex-namorado] fez, eu olhei para tudo aquilo e pensei: ele já tinha colocado o pior momento da minha vida na minha memória. Eu ia deixar ele destruir meu maior sonho, que é a medicina? Não. Queria que quando ele ouvisse falar de mim, soubesse que eu me ergui e que lutei até o fim. Só isso. Não quero que a Faculdade de Medicina morra. Tudo o que eu quero é punição para as pessoas que fizeram coisas erradas. Não quero que ninguém da minha turma me defenda. Só quero que eles sejam neutros. Quero poder ter meu dia a dia. Quero poder chegar em casa e não chorar. Chegar em casa e pensar: eu vou estudar. E não chegar e dizer: hoje não vai dar para estudar. Quero ter meu cotidiano de volta”, conclui.

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