Zebrinha – Um homem, um mito

A Bahia além de linda, é terra fecunda de artistas de primeira grandeza. Às vezes quando sou contratada para fazer a cobertura fotográfica de um processo cênico, de repente olho à minha volta e vejo ali tantos gênios reunidos, e ali: sentados no chão, observando os atores, construindo a obra artística em conjunto, como peça chave de um brilho que não havia antes dele ou dela por a mão… e eu ali, em meio a eles, ouvindo-os, aprendendo, bebendo dessas fontes fantásticas de arte, e eu ali… em meio à história que acontece, muitas vezes longe do conhecimento da maioria, mas ali, consciente que sou privilegiada de conviver com ícones!

Por Andréa Magnoni, do Portal Cenário Cultural

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Um desses grandes artistas que o teatro me apresentou é José Carlos Arandiba, doravante chamado apenas de Zebrinha, até porque ninguém o chama de outro jeito aqui em Salvador… sabe-se que o apelido veio no começo de sua trajetória como bailarino, mas como dizem por aqui: “Quem souber morre!”.

A primeira vez que o vi foi impactante, ele tem esse poder: impacta as pessoas! É um homem lindíssimo, um maciço de músculos muito bem talhados pelos anos de dança, a pele ricamente negra e a altivez da realeza africana, um legítimo filho de Ògún, o Orixá que é senhor do metal, da tecnologia e dos caminhos, características do Pai que ele sabe usar como poucos… hoje eu te convido a conhecer Zebrinha, um dos maiores bailarinos e coreógrafos do Brasil, mas principalmente, um dos homens mais dignos que já conheci e que realmente faz a diferença entre os seus.

Tudo começou na Liberdade, bairro histórico de maioria negra e que hoje conta com uma população de mais de 180 mil pessoas. Por sua evidente aptidão para as artes, Zebrinha ainda adolescente logo se destacou nos grupos de dança e teatro na escola. Dos palcos escolares para os internacionais foi meio que orgânico e aos 17 anos fez sua primeira viagem internacional, logo depois recebeu uma bolsa integral no famoso Alvin Ailey American Dance Theatre (Estados Unidos), sua formação em dança passa pelo balé clássico e dança contemporânea nas escolas mais renomadas na América do Norte e Europa, e como ele mesmo diz: “Toda a minha formação vem de fora. Eu sou preto e grandão, aqui diziam que eu não podia fazer dança clássica. Lá fora eu descobri que eu poderia fazer tudo o que eu quisesse na minha vida”, e fez!

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E como era de se esperar de um homem como esse, após formado, colaborou com sua arte também no continente Africano, potencializando a dança e dando aula a profissionais e amadores, resgatando pessoas, dignidades e esperanças em Ruanda, Benin, Nigéria, entre outros países na terra dos seus ancestrais… e eu imagino o quanto cada uma dessas experiências tenha sido marcante para todos os envolvidos, quando um neto daquela terra volta para ajudar a curar feridas que até hoje continuam a ser abertas no coração negro da África.

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Já prestes a se aposentar e decidido a ir para a África, Zebrinha vem visitar a família em Salvador e se encanta com o Balé Folclórico da Bahia, única companhia profissional de dança folclórica do país, dirigida por Vavá Botelho, onde desde 1992, Zebrinha é o diretor artístico, logo depois agrega também o cargo de coreógrafo do Bando de Teatro Olodum, grupo de atores negros, onde conheceu Lázaro Ramos,  parte desse encontro é contado neste vídeo, numa entrevista que ambos deram para o programa da Angélica, onde Lázaro deixa claro sobre a importância de Zebrinha não só em sua vida profissional, mas também em sua formação moral e de caráter, como acontece com uma infinidade de homens e mulheres que foram e são alunos desse grande mestre.

Zebrinha é exímio bailarino, coreógrafo e diretor artístico, é poliglota, ativista e assinou a coreografia de dezenas de espetáculos de sucesso. Tornou-se um homem bem sucedido, sua história serve como um grande exemplo profissional para tantos meninos e meninas negras das periferias de Salvador, mas com certeza sua maior importância está nos valores que são compartilhados com esses jovens, em sua honradez e caráter, sua consciência política e valorização da negritude, formando não apenas bailarinos para brilhar nos palcos, mas preparando jovens para vencer na vida.

Eu fui a fotógrafa que o acompanhou na condecoração com a medalha Zumbi dos Palmares, oferecida pela Câmara Municipal soteropolitana, e até hoje me arrepio ao lembrar dos tantos depoimentos emocionados que alunos e amigos deram sobre o nosso grande mestre, homens e mulheres choraram ao recordarem da importância de gestos e palavras desse homem ao longo de suas histórias. Essas atitudes são bastante corriqueiras, aliás, em suas fotos no Facebook, onde alunos e admiradores deixam seus depoimentos carinhosos, endossando as falas da maioria: “Ele é rígido, mas ama e acolhe como ninguém!”.

Para os que não o conhecem, à primeira vista ele assusta por seu porte avantajado e a expressão séria, mas quem ganha sua confiança, ganha também um dos sorrisos mais lindos da Bahia, ganha o abraço mais acolhedor, e o olhar mais franco que se possa imaginar, quem ganha a confiança desse mestre, ganha um amigo para uma vida inteira. Vida longa, feliz e saudável a esse Filho de Xorokê, que Èsù e Ògún mesmo o abençoem, levando-o para todos os lugares onde sua força de forjar artistas e pessoas de bem se faça necessária. Parabéns por sua existência tão transformadora, Zebrinha! Parabéns também por sua arte e talento. Adupé (obrigada)!

 

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