A atriz e cantora Zezé Motta lança biografia onde relembra do sucesso de Xica da Silva à luta pelo protagonismo negro na TV e revela episódio de assédio. Ela apresenta repertório de seu disco solo, “O Samba Mandou Me Chamar”, hoje (dia 20), no Sesc Ipiranga, em São Paulo
Por Carol Sganzerla, na Marie Claire
“Isso aqui é sagrado! Se não for a coisa mais importante na sua vida, você deve escolher outra profissão”. A bronca do diretor José Celso Martinez para a novata, então com 20 anos e recém-formada na escola de teatro Tablado, tinha motivo: Zezé Motta estava atrasada para o ensaio da peça Roda Viva. Ela precisou fazer uma entrega para a cliente de sua mãe, costureira, e perdeu a hora. A partir daquele dia, Zezé se decidiu pelos palcos e aproveitou para romper o relacionamento com seu noivo, que estava sendo pressionado pela família a não se casar com uma atriz por preconceito. Em 1968, ela fez sua estreia no espetáculo de autoria de Chico Buarque que faria história e viraria um símbolo de resistência contra a ditadura militar. Ao final da apresentação em São Paulo, no Teatro Ruth Escobar, um grupo de homens munidos de cassetete invadiram os camarins. “Comecei na profissão com o pé direito, mas apanhando”, relembra Zezé, aos 74 anos. “Toda vez que a gente se depara com a palavra censura e ditadura é desconfortável, não dá para viver sem liberdade de expressão, sem poder cumprir a sua profissão na íntegra.”
No elenco da peça estava Marília Pêra, que se tornou uma de suas melhores amigas e comadre – elas chegaram a morar juntas. Lembranças como essa estão no livro Zezé Motta – Um Canto de Luta e Resistência, escrito por Cacau Hygino, que será lançado este mês para comemorar os 50 anos de carreira da atriz, que também consagrou-se cantora, com oito discos solos lançados – o mais recente, em 2018, O Samba Mandou Me Chamar. Nascida em Campo dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, e filha de um músico e uma costureira, sua estreia na televisão aconteceu em 1968, na novela Beto Rockfeller, da TV Tupi, em que fazia o papel de uma doméstica que sonhava em ser patroa, estereótipo que se repetiu outras vezes. “Sou de um tempo que as empregadas viviam a reboque de outros personagens, não faziam parte da trama. A questão, porém, não era representá-las, estaríamos discriminando uma classe. Mas, quando eu estava num trabalho, por exemplo, não tinha espaço para as outras atrizes negras contemporâneas, como a Chica Xavier”, diz. “Hoje, vejo uma maior preocupação na distribuição de papeis nas novelas, nos comerciais. Mas temos muito luta pela frente.”
Zezé ficou conhecida na década de 70, com Xica da Silva, vivida no longa homônimo de Cacá Diegues, em 1976. “Ela foi um divisor de águas na minha vida”, diz Zezé, que arrebanhou prêmios e prestígio à época. Sua presença passou a ser requisitada em todos os lugares e a atriz se tornou um símbolo sexual. “Fiquei no imaginário masculino e tive problemas com meus parceiros. Éramos muito livres e, por causa do personagem, me sentia no dever de não decepcioná-los. Queria ser a mulher maravilha na cama e esquecia do meu próprio prazer. Isso me levou a fazer análise”, revela.
Na mesma época, Zezé foi vítima de um assédio. “Era jovem, sempre muito calor no Rio, andava de minissaia. Um dia, dentro de um carro, o taxista colocou a mão para trás e começou a alisar a minha coxa. Fiquei em pânico, ele acelerou, pensava ‘vou sofrer uma violência’. Por sorte, tinha um guarda parado num sinal, o motorista parou e consegui abrir a porta e me mandar. É muito violento quando o assédio chega a esse ponto.”