Zeze Motta: sutiã só depois dos 40, sexualidade “em dia” aos 73, militância negra… Vem!

Zeze Motta acaba de se despedir de “O Outro Lado do Paraíso”, novela na qual interpretou a matriarca de um quilombo. Agora, vai se dedicar à divulgação de seu novo trabalho como cantora, “O Samba Mandou me Chamar”. “Logo no início da carreira, me cobraram porque eu gravava pouco samba e se encaixava como mão na luva na minha voz. Mas eu tinha vontade de cantar outras coisas e não queria ser rotulada como sambista. Tenho certeza que, quando insistiam muito com isso, era porque achavam que negro tinha que cantar samba. E eu estava em uma fase ativista um pouco mais rebelde. Eu queria cantar Francis Hime, Caetano Veloso, Milton Nascimento. Com a idade, a gente fica mais calma, tolerante… Naquela época, ficar cerceada ia ser uma grande frustração… Agora apareceram tantos sambas bonitos que não resisti. Esse álbum é um sonho que acalento há 10 anos”, contou Zeze, em entrevista ao Glamurama. Vem ler nosso papo completo, que acabou em… Meghan Markle! (por Michelle Licory)

Do Glamurama 

Zeze Motta || Créditos: Divulgação/ TV Globo

“Dei tanta cotovelada que as pessoas não esquecem do que fiz”

O CD é composto de 13 faixas que “evitam temas pesados”, escolhidas para “desopilar o fígado de um país que atravessa um momento tão sofrido e necessita de um alento musical”. Perguntamos se hoje é essa sua postura diante das mazelas da vida: quando o assunto é racismo, machismo, desigualdade social, a impressão é que a arma, a forma de militância de Zeze tem sido o sorriso. “Isso de ser um alento foi uma coisa intuitiva, sem pensar. Apesar de todo esse caos, prefiro ter esperanças, acreditar que alguma coisa vai acontecer para melhor. Com relação à militância, ah, já fiz tanto pela militância. Não que eu ache que fiz demais, não é isso. Não fiz mais que meu dever. Mas tentei tanto, denunciei tanto, esperneei, dei tanta cotovelada que hoje em dia, mesmo que esteja mais caladinha, no meu canto, as pessoas não se esquecem do que eu fiz e até me consideram um ícone da militância negra”.

“As pessoas morrem por não saber sobre a doença”

A atriz e cantora continua: “Eu não me considero nada. Só que fiz meu dever, como artista, tendo espaço na mídia para denunciar racismo, desigualdade e cobrar dos nossos governantes. Eu ainda quero ter tempo para continuar cobrando do governo uma campanha contra a anemia falciforme, muito comum em negros. As pessoas morrem por não saber sobre a doença. Meu dever é exigir, brigar, por exemplo, pela igualdade de salários entre homens e mulheres em todos os departamentos”.

“Dizem que sou muito cheirosa, mesmo quando já trabalhei o dia inteiro”

Uma das músicas do repertório, “Ficar a Seu Lado”, é descrita como uma “descarada declaração de amor em tom sensual, que elogia até o ‘sabor do suor’ do ser amado”. Por que essa letra deveria ganhar a voz de Zeze? “Me identifiquei total, cheguei a brincar com os autores: ‘Fizeram essa música pra mim?’ Ela fala do sorriso, do cheiro. Sempre dizem que sou muito cheirosa, mesmo quando já trabalhei o dia inteiro e estou suada (risos)”.

“Casei cinco vezes e ainda tenho a expectativa de ter mais um encontro”

A gente quis saber como é, pra ela, a sensualidade na maturidade. “Apesar de ter 73 anos, sou uma mulher saudável, que ainda tem uma expectativa muito grande de… Bom, já casei cinco vezes e ainda tenho a expectativa de ter mais um encontro. Casar mais não, já deu, mas um encontro, sim. Não gostaria nem pretendo envelhecer sozinha. Como me cuido direitinho, minha sensualidade e minha sexualidade estão em dia. Se eu deixasse de lado meu lado sensual, não seria eu”.

“Mesmo quando está toda vestida, tenho a sensação de que você está nua”

E não é de hoje, claro… “Me lembro, quando era jovem, o Domingos de Oliveira me dizia assim: ‘Mesmo quando você está toda vestida, eu tenho a sensação de que você está nua’. Era sempre um ombro de fora, uma transparência aqui, outra acolá… Eu tinha seios muito pequenininhos, então não usei sutiã até os 40 anos. Ficava aquela coisa marcando na roupa, meus seios pequeninhos. Mas era espontâneo, não era marketing. Acontecia… Como sempre tive essa relação com sexualidade muito presente, fiz alguns filmes em que aparecia nua. Meu compadre Nelson Motta falava que não precisava o diretor pedir para eu tirar a roupa: batia a claquete e eu já tirava… Morro de rir com essa maluquice do meu compadre”.

“Discretamente, cumpriu sua função”

Sobre a importância de ter sido retratada na novela das nove a realidade dos quilombolas… “Fiquei muito feliz quando soube que haveria um núcleo do quilombo e mais ainda quando soube que eu seria a matriarca desse quilombo. É muito importante tocar nesse assunto num veiculo com a força da TV Globo, e no horário nobre. Acho que é um assunto que ainda pode ser mais explorado no futuro porque a maioria das pessoas não tem noção de que temos cerca de 3 mil quilombos no Brasil e de como essas pessoas vivem. A novela agora deu uma luzinha. Discretamente, cumpriu sua função”.

“Caramba, me toquei que sou racista”

Zeze faz um apelo: “No momento em que temos um candidato à presidência falando dos negros e quilombolas de forma pejorativa, é interessante refletir sobre em quem vamos votar. Pelo amor de Deus. Somos um país miscigenado e não merecemos um presidente que despreza o outro ser humano pela cor da pele. Achei interessante também ter uma personagem assumidamente racista na novela porque acho que muita gente vai parar pra refletir sobre isso. Quando eu fui discriminada em uma novela do Gilberto Braga, ‘Corpo a Corpo’, muita gente veio falar pra mim assim: ‘Caramba, me toquei que sou racista’. Está no inconsciente, quase que coletivo”.

Falando de Meghan: “Jamais abriria mão da minha carreira, dos meus ideais e da minha história”

Para não dizer que não falamos de Meghan Markle – dias antes do casamento da atriz americana de origem negra, militante, feminista e divorciada que abriu mão da carreira para ser mulher do príncipe Harry, do Reino Unido… “Veja a minha situação: eu tinha 21 anos em 1968, era noiva e virgem. Às vésperas da estreia de ‘Roda Viva’, meu noivo, talvez pressionado pela família, mandou que eu escolhesse: o teatro ou ele. A paixão pela carreira falou mais alto e eu fiquei com o teatro. O ativismo veio depois, com o tempo, a militância também. Jamais abriria mão da minha carreira, dos meus ideais, e da minha história por nada nem ninguém. Essa foi uma escolha minha, e somente minha. Cada um faz a sua escolha, não? Mas também creio que o fato de uma pessoa casar com um príncipe seja alvo de muitas opiniões até maldosas. Só porque ela tem origem negra, sai de redes sociais e casará com o príncipe será mesmo que ela está deixando sua essência feminista e militante de lado? Acho que é muito precoce qualquer opinião ou julgamento sobre essa moça”.

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