Está na moda ser preto, desde que você não seja preto

É bem comum encontrar nas redes sociais algumas pessoas defendendo a ideia de que o racismo não existe (em geral pessoas brancas, mas ainda é possível encontrar algumas pessoas pretas com a síndrome de Holiday) usando argumentos batidos como o da “democracia racial” e de que no Brasil o problema é social e não racial.

Por  Rodrigo Teles Medrado, do Dente di Leão

Vejo também um esforço muito grande em disfarçar todos esses problemas com uma atitude que não consigo deixar passar batida, algo que faz parte do movimento “ser negro ta na moda”. Neste movimento vemos pessoas brancas se vestido com temas africanos, usando turbante, fazendo parte de diversos movimentos negros e até renegando a cor da sua pele (é, sei que não faz sentido, mas vamos lá).

Quem me conhece sabe que sou totalmente a favor da integração entre povos e culturas. Sabe que vejo com bons olhos jovens pretos e brancos juntos, discutindo o destino do nosso país. O que me incomoda é ser preto apenas quando lhe convém.

Ser preto no samba, no hip hop, no candomblé, ser preto assim é fácil. Gostaria que essas mesmas pessoas fossem “pretas” quando a polícia abordou com violência meu irmão na rua, quando uma pessoa perde uma vaga de emprego por ser preta. Quando um canal de TV exibe um programa com teor racista.

Gostaria que fossem pretos na riqueza e na pobreza, na alegria e na tristeza.

Na verdade o que vejo são pessoas se apropriando da nossa cultura, esvaziando seu significado, usufruindo apenas dos benefícios e ignorando as desvantagens.

Leia Também: “A cultura negra é popular, pessoas negras não são” As festas “neotropicalistas” e a apropriação cultural indevida

Por que, quando seu amigo foi humilhado na escola você não disse nada? Por que você não se mostrou indignado quando fizeram aquele comentário racista sobre os haitianos no trabalho? Por que você não rebateu seu familiar quando, num almoço de família, disse que “agora tudo é racismo” e que não podemos dar ouvidos a esse mi mi mi?

Não fez nada porque ser preto está na moda, desde que você não seja preto.

Estudei em uma escola pública, mas que por muitos motivos era composta por muitos alunos brancos, e sei que o silêncio do “amigo” dói tanto quanto a piada racista.

O Brasil precisa de pretos fortes e de brancos desconstruídos e conscientes dos seus privilégios, pois só assim vamos avançar para uma cultura integrada.

Quer desconstruir? Acha o sistema racista odioso? Venha para o nosso lado, mas venha inteiro, não pela metade.

+ sobre o tema

Pedagogia de afirmação indígena: percorrendo o território Mura

O território Mura que percorro com a pedagogia da...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas,...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde...

Apenas 22% do público-alvo se vacinou contra a gripe

Dados do Ministério da Saúde mostram que apenas 22%...

para lembrar

Não votar em Bolsonaro: para os negros uma questão de amor próprio

A fala do capitão Jair Bolsonaro, candidato do PSL,...

Publicidade, falsos ideais e os muros que precisamos derrubar

No palco iluminado da publicidade, as marcas não podem...

Decisão do STF abate o racismo religioso

Quem vocifera contra cultos de matriz africana busca ditar...

O grande anjo negro: Sterling é capa de revista masculina e discute o racismo no futebol

Atacante do Manchester City também fala sobre importância de...
spot_imgspot_img

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...

Militares viram no movimento negro afronta à ideologia racial da ditadura

Documento confidencial, 20 de setembro de 1978. O assunto no cabeçalho: "Núcleo Negro Socialista - Atividades de Carlos Alberto de Medeiros." A tal organização,...

Filme de Viviane Ferreira mescla humor e questões sociais com família negra

Num conjunto habitacional barulhento em São Paulo vive uma família que se ancora na matriarca. Ela é o sustento financeiro, cuida das filhas, do...
-+=