Graduado em marginalidade

Peripécias de minha infância arranca lágrimas e sorrisos, lembranças nostálgicas, num estilo bem diferente do esperado de um escritor do segmento marginal literário, dos que estavam às margens e agora viajam o mundo mostrando que as quebradas não têm de estar apenas nas páginas policiais dos jornais. Agora, quando o assunto é cultura, um dos mais citados é Sacolinha.

Do Inspirando Sonhos

Começamos citando um livro atípico do autor, quando consideramos os já imortalizados 85 letras e um disparo, Estação TerminalGraduado em Marginalidade. Quando entrevistado pelo consagrado Abujamra, mostrou-se um provocador nato, formado pelos percalços e conquistas da vida, garra de um escritor negro. Um periférico que não quis os extremos sociais e geográficos. Sacolinha já ganhou o mundo. Quem diria? Contrariando as estatísticas…

Autor de seis livros, dois deles reeditados e mais de trinta mil cópias vendidas. Lendário, já traduzido na Espanha e França. Isso sem contar as inúmeras palestras, entrevistas concedidas em diversos canais de televisão, presença em mídias digitais.

Escritor que forma novos leitores e escritores, especialmente em escolas públicas, adentra os presídios de segurança máxima, desde 2010 com o projeto Uma janela para o mundo – Leitura nas prisões. Nome conhecido nos saraus que pipocam pelo Brasil. Será ele, além de escritor, também, um Empreendedor Social?

Um escritor negro já pertencente ao rol de outros intelectuais: Carolina Maria de Jesus, Machado de Assis, Cuti, Solano Trindade, Esmeralda Ribeiro (uma das criadoras do Quilombhoje Literatura, grupo que existe há mais de trinta anos), vêm fazendo isso com força e competência no decorrer da história. Arrisco dizer, por exemplo, que Sacolinha tem fortes raízes nas ricas publicações de Cadernos Negros. Até porque é o texto dele que inaugura o caderno de volume 34, com o conto Adversário Íntimo — fala, basicamente, do ranço de um acadêmico que inveja um jovem negro que escreve e publica muitos livros, faz palestras em instituições educacionais diversas, inclusive em universidades, acessa um público periférico não muito leitor no cotidiano com sua escrita simples, discorre com leveza sobre os temas pesquisados pelo professor, mas não vividos na essência. Algo mais recorrente do que qualquer pessoa imagina.

Sacolinha, agora é sua vez de nos dizer mais sobre você…

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Começou a escrever com mais seriedade em 2003, depois que conheceu o livroQuarto de despejo – Diário de uma favelada, Carolina Maria de Jesus.

Inspirando Sonhos: Conte-nos como enveredou pelos caminhos da escrita? Vale dizer como as peripécias de tua infância contribuíram para isso…

Sacolinha: Comecei a ler em 2002, com 18 anos. Foi no trem, inicialmente, para passar o tempo. Aí, fui passando por algumas situações na vida que me mostraram que a leitura era muito mais que um passatempo. Entendi, então, que a leitura é um instrumento de emancipação. Daí em diante passei a ler 4 livros por semana. Como era muito conteúdo, minha cabeça estava explodindo de informações, ideias e pensamentos. Eu não tinha com quem conversar sobre isso, porque na periferia ler não era uma ação corriqueira e muito menos normal. Quem lia, como eu, era taxado de “mulherzinha” e etc. Então passei a escrever, passei a ter no papel um amigo. E pronto. Mas foi quando conheci, em 2003, o livro da Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo – Diário de uma favelada, que comecei a escrever com mais seriedade.

Inspirando Sonhos: Graduado em Marginalidade, vários sentidos contidos nesse título de um dos livros de sua autoria, quando pensamos nesse tipo de sociedade preconceituosa que temos. Qual é o seu sentido, quando pensou nessa afirmação?

Sacolinha: Esse título vem como uma pergunta. Pois toda pessoa que se gradua tem seu diploma. Por exemplo: um estudante que se forma em Odontologia recebe o diploma de dentista. Então, qual o diploma de um graduado na Marginalidade? 

Inspirando Sonhos: Dos seus livros publicados, qual é o seu preferido?

Sacolinha: Graduado em marginalidade, por tudo que já me trouxe, inclusive as ameaças de morte. E Peripécias de minha infância, por me trazer uma infância não mais possível hoje, graças à violência, aos celulares com android e à internet. 

Inspirando Sonhos: Referências literárias, quais são as suas?

Sacolinha: Carolina Maria de Jesus, José Lins do Rêgo e Saramago. 

Inspirando Sonhos: Periferia é periferia em qualquer lugar, inclusive em Suzano?

Sacolinha: Sim. Aqui soma-se ainda a questão política do coronelismo, muito presente em cidades com menos de 500 mil habitantes.

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Inspirando Sonhos: O que é racismo?

Sacolinha: Racismo é achar que uma raça é superior à outra. Uma vez eu cheguei numa cidade para dar uma palestra. Estava com um motorista branco. Aí perguntei para a funcionária “É aqui que vai acontecer a palestra?” ‘É sim’ “Ok. Chegamos”. Aí ela olhou para o motorista e disse: ‘Muito prazer, Sacolinha, seja bem vindo’.

Inspirando Sonhos: O que é utopia?

Sacolinha: É acreditar no impossível. Quando comecei a escrever, alguns me disseram que não daria pra viver de literatura, de livros, de cultura, enfim. Ainda mais uma pessoa negra, moradora de um bairro pobre da Zona Leste e que estudou em escola pública.

Hoje vivo, exclusivamente, de literatura.

Inspirando Sonhos: Fale-nos de suas memórias escolares.

Sacolinha: A escola nunca me chamou a atenção. Deve ser porque eu sempre ia obrigado e com medo de virar lixeiro. Meus familiares viviam dizendo que se eu não estudasse viraria lixeiro. Aí eu corria pra escola. Mas hoje sei que pra você virar gari, tem que ter muitas qualidades.

E mesmo indo obrigado para escola, fui um bom aluno e não reprovei em nenhum ano.

Inspirando Sonhos: Tem alguma pergunta que não fizemos, mas que, mesmo assim, deseja comunicar para quem nos lê? 

Sacolinha: Você tem algum hobbie, Sacolinha?

Sim. Sou colecionador de kombis. Tenho 3 (duas antigas que são raridades e uma de 1996, com cama, sofá e cozinha, dentro).

E adoro mexer com horta orgânica. Tenho uma em casa, com pomar, hortaliças e verduras.

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