12 depoimentos que mostram que vale a pena discutir música e racismo no Brasil

Semana passada postei um artigo no Medium sobre como o rock dos anos 80 ajudou a deixar nossa música pop brasileira mais branca, machista e careta. A repercussão foi muito maior do que eu imaginava, com o texto atingindo mais de 250 mil views em 3 dias, sendo republicado em sites como o Geledés – Instituto da Mulher Negra, aqui no HuffPost Brasil e até o roqueiro Whiplash. Muita gente pelo Brasil compartilhou, debateu, curtiu e xingou muito no Twitter.

Por Fred Di Giacomo Rocha, do HuffPost Brasil

Lendo as centenas de comentários (dos quais não apaguei nenhum), percebi que a crítica construtiva é sempre válida, mas fiquei impressionado com a quantidade de gente que tinha uma visão ingênua da música e da cultura como uma escolha individual movida pela paixão, sem nenhuma relação com sociedade, indústria e política. Infelizmente, nada é tão simples e a cultura é fundamental para autoestima, expressão e formação de ideias de um povo. Se você só vê mulheres brancas na capa de revistas, só assiste filmes em que homens são heróis e só ouve música feita em São Paulo, dificilmente vai achar que negras são bonitas, que mulheres podem ser heroínas ou que existe música boa no Pará. Nossa opinião é formado pelo que ouvimos, lemos, assistimos e pelas pessoas que nos cercam. E você (ou eu, como escrevi no tal texto) não é tão diferentão e especial como gostaria para conseguir escapar fácil desse círculo vicioso.

Mas não é sobre isso que quero falar agora. O que quero fazer é dar voz aos relatos fodas que recebi nos comentários do texto. Enquanto grande parte das críticas ao meu artigo veio de homens (na maioria brancos), me surpreendeu a quantidade de mulheres (muitas delas negras) se identificando e querendo comentar. Sintomático, né? Essa sinfonia de vozes que costumam ser abafadas pelo senso comum dá um panorama interessante de como música, racismo e cultura destroem a autoestima de um povo plural como o nosso e de que o tema da representatividade precisa ser discutido. Abaixo, seguem 12 comentários (inclusive de um estrangeiro) que sintetizam bem a coisa:

1. Adoro Green Day, também, e punk rock ❤. A maioria das pessoas percebem que grande parte dos membros de bandas de rock são brancos. Eu mesmo não me sinto representada algumas vezes. As pessoas se sentem como se não pertencessem àquele mundo. Como se não fosse uma coisa pra você. (…) Já cheguei a ler comentário falando “Você é negra, não pode ser roqueira”, pela internet, e me senti mal pela pessoa que ouviu isso.

2. Texto bastante honesto. Praticamente foi o que senti quando comecei a ouvir rock. Cadê os caras parecidos comigo??? Parabéns, viu, Sr Fred? Quando descobri que existia Jimi Hendrix e Chuck Berry foi uma alegria enorme. Não entendia porque o Negrete (baixista da Legião Urbana), o único negro da banda que eu amava, havia saído… Pô, o único negão e sai da banda… He,he,he, foda, né? (via Twitter)

3. Você também ajuda (com o texto) outras pessoas a refletirem. Vi minha adolescência nas suas palavras e só li verdades, por mais triste que seja. Hoje vejo o quanto o meio do rock/metal devastou a minha autoestima. É um meio muito opressor e Seu Jorge tem toda razão. (via Twitter)

4. Ótimo texto, aconteceu exatamente assim comigo, hoje me converti de volta a minha negritude, ao samba, mpb, forró e até restabeleci minha tolerância ao funk. Tenho uma banda que junta tudo isso, sem deixar de lado o rock pesado. Nossa cultura é linda e rica e um rock verdadeiramente nacional precisa beber dessa fonte. Deixo aqui um link do material da minha banda: https://www.youtube.com/watch?v=_9dYbWTc1uE

5. Sensacional! Eu vim do Rap e sempre senti essa barreira, de forma omissa e mascarada, inclusive entre os amigos. Rap era algo de preto e favelado, rock era coisa de inteligente, instruído e descolado. (…)A grande questão é que através da música podemos compartilhar inclusive nossos preconceitos. Ou seja, um show de rock de uma determinada banda, pode ser uma forma de pessoas legitimarem seus preconceitos e crenças…

6. Me sinto da mesma maneira, Fred. De família miscigenada eu, olha só, assino com nome italiano.

7. Perfeito. E já tô de saco cheio desse negócio de dizerem que “música é questão de gosto e gosto é pessoal”. Pessoal o caralho, é muita burrice mesmo de quem diz isso. Alguém que realmente nunca ouviu falar em indústria cultural…

8. Que debate maravilhoso !!! Enfim, eu cresci quase com o mesmo pensamento que você, sou mistura de um pouco de tudo graças a esse país miscigenado e sempre tive uma “crise de identidade”. Não sabia se era considerada negra ou branca, se era certo dizer que era um ou outro mas nunca deixei ninguém me dizer o que ser ou não ser. Cresci numa casa onde se ouviam de tudo, o que mais me apeguei foi ao rock. Roubava os discos velhos da minha tia e passava o dia todo ouvindo. Eu achava que só o rock era “música”, ai eu cresci (haha). Cresci e comecei a ver que “música” não era só esse mundinho…Eu ouvia bandas só de mulheres, pois não entendia porque bandas mais “renomadas” no rock, eram formadas por homens, depois comecei a pensar sobre negros no rock e também me questionei muito. Hoje escuto tudo o que me da paz, calma e que toque minha alma de verdade… Aprendi a gostar mais de MPB (e também outros estilos musicais), curtir um samba de raiz, músicas que falam de política e nossa cultura. Infelizmente não conheço tanto quanto gostaria e me sinto envergonhada, mas aprendo e aprecio algo novo todos os dias. Gostei muito do texto, me fez perceber que não sou a única a amar rock, ser “roqueira” assumida e ainda assim, amar a própria cultura e apreciar as riquezas que temos no nosso país.

9. Baita texto, mano! Me lembro que na fase que eu só usava preto e coturno, eu ouvia rap, principalmente Facção Central e Ndee Naldinho, escondido dos manos trues porque tinha vergonha de falar que curtia rap. Com os caras do punk/hc era mais sussa. Hoje em dia, não vou mais aos shows de metal nacional porque em 2014 rolou um punhado gigantesco de xenofobia por parte dos integrantes dessas bandas. Alguns fãs, que há dez anos se gabavam por ser diferentões e superiores, são uns imbecis. O metal virou um antro reacionário, infelizmente. Tenso. Hoje só vou pra ver Sepultura ou Ratos de Porão.

10. No olhar de um estrangeiro de um pais bastante nacionalista, posso dizer que brasileiro se auto despreza como povo, e que a grande maioria da classe da média a alta não tem um pingo de identidade cultural própria – nem de raça, nem de região. Como roqueiro posso dizer que adoro a música brasileira de varios estilos vocês têm uma riqueza cultural grande mas muito descuidada. Esse elitismo absurdo do fã do rock/metal de se achar a grande coisa é uma bosta em todas partes do mundo, eu pensava que nada que não fosse rock (ou música clássica que eu estudava naquela época) valia a pena, eu achava que roqueiro não pode ser romântico ou que roqueiro não dança. Hoje me orgulho de que além de rock e metal eu ja toquei um monte de ritmos e músicas afrocaribenhas, afro-brasileiras, latinoamericanas. E dancei salsa, merengue, bachata, forró, samba. E me achei na cultura da cada povo esquecido, assim como o rock fez se achar a esses garotos excluídos da Europa e dos USA. No nosso continente nossa identidade é simplesmente mais rica e mais variada

11. Sou um profissional da música, instrumentista, compositor, além de ser negro. Concordo com a sua opinião relacionando a raça e o tipo de música preferencial (rock = branco, samba = negro).
Atualmente eu toco rock’n roll com algumas bandas no interior de SP e vejo que nas casas específicas de rock a minoria é negra. Não sou racista, apenas acho que esse comportamento é resultado do inconsciente coletivo impregnado na cultura brasileira.
Apesar de tocar rock’n roll atualmente, confesso que no começo dos meus estudos musicais eu não gostava de rock pois achava que rock era barulho, gritaria e etc. Depois de alguns anos estudando música e dando aula em escola técnica de música, fui inserido no meio do rock e me “reapresentaram” vários estilos de rock, os quais eu ouvi durante minha infância toda na rádio e nem me lembrava que gostava (Guns, Bon Jovi, Van Hallen, Aerosmith, etc…). Não é pela fato de eu tocar rock que não gosto de outros estilos musicais. (…)
Gostar de um estilo ou de outro é opção, mas como foi citado no texto, somos influenciados pelo meio em que vivemos. Minha mãe sempre ouviu de Bach a Sepultura, isso fez com que eu tivesse a cabeça aberta para ouvir julgar e escolher o que eu achasse melhor ouvir e não apenas acreditar que a moda é ouvir determinado estilo musical e se eu não ouvir isso vão falar que eu sou brega.

12. Que texto, amigo! Não sei de onde você é, mas sou de Recife e vivi os anos noventa “escutando “a eferverscência musical de Chico Science, Devotos do Ódio, Mundo livre S.A e outros por conta da minha irmã mais velha que viveu a cena.Eu era “do metal” e passava o dia ouvindo Metallica e achando o som dessa galera local ruim, pobre e chato por ser em português (veja que até o idioma ficamos com vergonha… Afinal, “rock é em inglês”, eles dizem…). O problema é que com o passar dos anos, você vai ficando mais maleável e, como garoto que não gosta de mostarda, se permite a novos sons (às vezes nem tão novos assim) e a sensação que tive ao ouvir Chico e Devotos mais velho foi de “Putz, como não vi esses caras ao vivo?”. Acho que infelizmente isso deva acontecer com a maioria da garotada que escuta rock e escolhe a pílula vermelha.

(Resolvi não publicar os nomes das pessoas, porque não pedi a autorização de cada um, mas todos depoimentos foram feitos em posts públicos em comentários do meu artigo. Se alguém se sentir incomodado em ter seu depoimento publicado, é só gritar que ele some do ar.)

As fotos deste post são uma homenagem às grande cantoras da música brasileira. Poderiam ser dezenas de outras artistas negras cujas vozes ecoam pelo país.

Fred Di Giacomo Rocha é escritor e jornalista multimídia; autor dos livros “Canções para ninar adultos” e “Haicais Animais” e criador do Glück Project – uma investigação sobre a felicidade. Foi de repórter a redator-chefe em diversos sites e revistas (Super, Bizz, Mundo Estranho, Guia do Estudante, etc), em São Paulo, tocou em meia dúzia de bandas de punk rock no interior, editou fanzines e organizou festivais nas vilas da sua cidade natal – Penápolis.

 

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