O Brasil, ultimo país a abolir a escravidão nas Américas, aquele que explorou aproximadamente 4 dos 10 milhões de africanos que foram trazidos para exercer trabalho escravo desse lado do Atlântico, possui hoje o maior número de população negra fora do continente africano.
Estamos aqui para falar das negros como sujeitos políticos no período de escravidão. Todo mundo sabe que no Brasil existiu mais de três séculos de exploração, violência e desumanização dos não brancos pela colonização européia, mas o que a história não conta é que os negros também eram agentes frente às formas de opressão, que não eram “coisa”, e sim “ser” diante do sistema escravocrata.
Antes da chegada do 13 de maio, a população negra organizou diferentes movimentos de resistência, através da formação dos quilombos, das irmandades, dos trabalhos urbanos, rebeliões nas senzalas, além das diversas revoltas: Malês, Balaiada, Sabinada, entre outras, e foram protagonistas da primeira tentativa de independência no país, através da formação do Quilombo de Palmares, este que sobreviveu mais de 100 anos como um Estado organizado e independente, derrotou por diversas vezes o exército colonial, até que, depois de diversas tentativas, foi invadido e vencido covardemente em 1695 pelo exército de Domingos Jorge Velho.
Vale lembrar que as mulheres negras tiveram papel fundamental nesses movimentos de resistência negra, exercendo papel de líderes, estrategistas, guerreiras, informantes e organizaram as alternativas criadas pelos negros frente ao Estado colonial.
A população negra dinamizou a história do Brasil, não aceitando a condição de escravizada, estabeleceu contra-movimentos e foi conquistando aos poucos sua liberdade, seja através de fugas, ou através da compra de cartas de alforria, e no 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel assina a leia Áurea, apenas 5% da população negra ainda exercia trabalho escravo. No entanto, é dado o ônus pelo fim da escravidão a princesa boazinha que “libertou os negros”, e nada se fala da luta dos negros pela sua liberdade. A lei áurea foi uma estratégia para desmobilizar a população negra que, a exemplo do Haiti, em algum momento, através das explosões constantes de rebeliões, tomaria o Estado brasileiro. Além disso, o processo de industrialização no país exigia a passagem do trabalho escravo ao trabalho livre, só assim o empregador poderia comprar a força de trabalho de acordo com as suas necessidades, e quando contratada, custaria os meios de subsistência do trabalhador.
O que aconteceu a partir de 14 de maio de 1888? A população negra não foi indenizada pelos três séculos e meio de escravidão, as senzalas sobem para os morros, onde hoje se localizam as favelas. A partir de então a imigração européia é incentivada para o Brasil, a fim de ocupar os postos de trabalho assalariado e embranquecer o país, havia até quem acreditasse que em 100 anos não haveriam mais negros no Brasil, e olha nós aqui. Mesmo reconhecendo que estes novos imigrantes foram explorados na venda da sua força de trabalho, eles estavam em condições favoráveis em relação à população negra, através das políticas de doação de terras e moradias que os eram direcionadas, além de serem priorizados nos postos de trabalho.
Por isso hoje, mesmo a lei áurea tendo marcado “oficialmente” a passagem do negro da condição de escravo a cidadã(o), o que não garantiu nenhum direito da cidadania brasileira a esta parcela da população, que até os dias de hoje encontra-se em condições extremamente desiguais em relação a população branca, o movimento negro no Brasil não comemora o dia 13 de maio, mas tornou essa data o DIA NACIONAL DE DENÚNCIA CONTRA O RACISMO, e comemora o dia 20 DE NOVEMBRO COMO DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA, dia em que morreu Zumbi dos Palmares, mais um dia de luta para a luta de todos os dias.
Hoje, 122 anos após a abolição inacabada, não temos o que comemorar. Queremos nossas carteiras de trabalho assinadas, queremos ações afirmativas nas universidades, queremos punições contra os crimes de racismo, e colocamos o Estado brasileiro no banco dos réus. – Cotas já na UNESP!
Jaqueline Lima Santos, é pós graduanda em Antropologia na Unesp, é militante do MNU-SP.