Capistrano: 13 de maio: a abolição incompleta

No dia 13 de maio de 1888 a princesa Isabel assinava a famosa Leia Áurea. Lei que extinguia a escravidão no nosso país. O Brasil foi o último país das Américas a acabar com a escravidão, foi também o país que recebeu o maior contingente de escravos vindos do continente africano, por isso o afrodescendente é uma presença marcante na sociedade e na cultura brasileira.

A abolição incompleta

A Lei Áurea foi de certa forma a usurpação por parte da elite brasileira de um ato que se concretizava através da luta do povo negro. As medidas de suavizar a escravidão com leis paliativas (Lei do Ventre Livre, Sexagenário e outras) tiveram no ato da princesa Isabel o seu ápice. É a velha história de sempre, evitar rupturas que possam prejudicar a classe dominante. Mesmo assim, após a assinatura da Leia Áurea o Império caiu, a República foi proclamada no dia 15 de novembro de 1889, os escravocratas inconformados com tal ato tiraram seu apoio ao governo imperial e com isso precipitou-se o advento da República que chegou recheada de escravistas.

A luta dos negros pela sua liberdade, aqui no Brasil, foi longa e árdua, teve início com a chegada dos primeiros escravos e, se intensifica com o passar do tempo. O negro nunca se conformou com a sua condição de escravo. Os quilombos transformam-se na trincheira de resistência e o de Palmares, no grande símbolo da luta dos negros contra a escravidão. Inclusive, a data do assassinato de Zumbi, o grande herói de Palmares, 20 de novembro de 1695, transformou-se no Dia Nacional da Consciência Negra, resultado de um projeto de lei do deputado baiano Haroldo Lima (PCdoB), aprovado em 1995. Essa lei deu um sentido político a uma luta que ainda não terminou, pois os afrodescendentes ainda buscam seus direitos, oportunidades iguais no processo de ascensão social, que historicamente lhes foi negado, com a mentira da democracia racial.

Palmares desmente a pecha de dolente auferida aos negros pelos os escravocratas. O quilombo de Palmares é a prova cabal da luta dos negros na defesa da sua liberdade, hoje um símbolo de resistência, de perseverança e de coragem de um povo na luta contra a mais vil exploração do trabalhador, que é o trabalho escravo.

A historiografia dominante tentou por muitos anos justificar as mazelas do nosso país com a história da mistura de raças “inferiores”: o português, não muito inteligente; o índio, preguiçoso e o negro, dolente, mole. Uma mentira que de certa forma dominou as salas de aula e os livros de história do país por muitos anos.

Mas, o que interessa nesse registro é debater o tipo de abolição resultante desse ato assinado pela princesa Isabel e que na realidade não proporcionou a verdadeira libertação desejada pelos negros e pelos defensores da abolição da escravidão no Brasil.

A princesa Isabel, ao assinar a Lei Áurea, esqueceu-se de assinar a carteira de trabalho dos alforriados e não fez uma reforma agrária dando ao ex-escravo um pedaço de terra para que ele pudesse trabalhar e sustentar a família. Com a nova ordem, o negro continuou excluído, desempregado, analfabeto e marginalizado das riquezas do país.

Essa é a dívida histórica que a sociedade brasileira tem com os negros e pardos e que hoje começa a ser resgatada com políticas afirmativas, embora motivo de muita polêmica. Os de sempre são contra as políticas de cotas, mesmo assim, o governo Lula tem avançado muito com políticas positivas de inclusão social que vem corrigindo esse crime hediondo cometido contra os afrodescendentes.

É necessário uma maior mobilização da sociedade brasileira para que a implantação e a concretização dessas políticas sejam efetivadas. Até por que as forças reacionárias têm um poder midiatico muito forte e isso tem influído negativamente na opinião pública, prejudicando a luta das entidades que as defende.

O jurista Fábio Konder Comparato, este ano, em uma audiência pública realizada no Superior Tribunal Federal, sobre a constitucionalidade ou não das políticas de cotas para as universidades públicas, encerrou sua participação, brilhantemente, dizendo: “eu encerro senhores ministros, essa minha modesta participação nessa audiência pública, com uma manifestação de profunda tristeza. Mais de um século depois da abolição da escravatura neste país, nós estamos ainda a discutir uma política que certamente não é suficiente para dar aos negros e pardos que vivem no território brasileiro, uma posição de relativa igualdade com os demais brasileiros. Mas, nada se disse e nada se diz, até hoje, do fato de que quase quatro séculos de escravidão não suscitam a menor, a mais leve discussão sobre a necessidade ética e jurídica de se dar aos descendentes de escravos uma mínima compensação pelo estado de bestialidade a que eles foram reduzidos pelos grupos dirigentes durante tanto tempo”.

Portanto, para mim, o dia 13 de maio é um momento singular, para refletimos sobre um ato importante, que foi a assinatura da Lei Áurea, mas não suficiente para corrigir a excrescência de um sistema que excluiu da vida econômica, social e política do país, milhares e milhares de trabalhadores e trabalhadoras, afrodescendentes, que construíram as nossas riquezas e que não tiveram o direito de usufruir dessas riquezas. Lembro uma frase atribuída ao poeta Mário Quintana que diz: “democracia é dar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um”.

Antonio Capistrano foi reitor da UERN e é filiado ao PCdoB

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