‘Loving’: o amor entre um branco e uma negra volta à cena nos EUA

Um homem branco se apaixona por uma mulher negra, é correspondido, e eles querem se casar. A história parece simples, mas nem tanto: a trama se passa há 60 anos, na Virgínia, e se ainda se fala dela é por uma boa razão.

Do DC

O filme “Loving”, que estreou nos cinemas dos Estados Unidos nesta quinta-feira, feriado do Dia de Ação de Graças, é um lembrete aos americanos da importância da luta travada entre Richard e Mildred Loving em pleno movimento pelos direitos civis.

Na época, muitos estados do país proibiam os casamentos inter-raciais em nome da pureza e da supremacia branca. Era o caso da Virgínia, que fez parte do bloco confederado durante a Guerra de Secessão.

Richard era pedreiro e aprendiz de mecânica. Mildred sonhava constituir família na cidade natal de Central Point. Os dois namorados, que se conheciam desde a infância, só queriam viver em paz e construir a própria casa.

Não podiam suspeitar que acabariam diante de uma batalha judicial que se arrastou por uma década até 12 de junho de 1967, com uma sentença histórica do Supremo, “Loving contra Virginia”, que sacudiu a sociedade americana, ao declarar inconstitucional a lei que proibia casamentos entre brancos e negros.

Meio século depois, os efeitos desta decisão ainda são sentidos. A sentença histórica favoreceu, segundo especialistas, a legalização, em 2015, do casamento entre pessoas do mesmo sexo em todo o território americano.

“Muitas pessoas consideram as leis contra a mestiçagem uma linha divisória crucial entre brancos e negros, crucial para a sociedade, e eliminá-las foi como um gosto amargo para parte da população”, contou a professora Robin Lenhardt, especialista jurídica no tema.

O quarto: o local do flagrante delito

Para o senhor e a senhora Loving, tudo mudou depois do casamento, celebrado em 1958, em Washington, onde não há leis contra a miscigenação. Mas na Virgínia, sim, como constataram rapidamente os recém-casados, ao voltar para casa.

No meio da noite, o xerife e seus homens invadiram o quarto do casal, aproximando uma tocha de Richard e Mildred, que estava grávida.

“Sou esposa dele!”, protestou, aterrorizada, a mulher, esperando que a certidão de casamento pendurada na parede dissuadisse as autoridades.

“Aqui isso não vale nada”, retrucou o xerife, que em seguida deteve os dois “criminosos”.

Os Loving se declararam culpados perante o juiz para evitar a prisão. Foram proibidos de voltar a se reunir na Virgínia por 25 anos.

Apresentado no último Festival de Cannes, o longa-metragem de Jeff Nichols descreve o exílio e as humilhações vividas pelo casal.

Ruth Negga e Joel Edgerton interpretam uma Mildred e um Richard que não são nem militantes, nem intelectuais, mas se opõem com sua lógica pungente e seu amor às argúcias legais que os confrontam.

“Diga ao juiz que eu amo a minha esposa”, pede, simplesmente, Richard, ao advogado que defende a causa do casal.

Heróis esquecidos

Em retrospectiva, entende-se que Richard e Mildred Loving são os heróis algo esquecidos da luta contra a segregação racial, embora os livros tenham dedicado este capítulo a Martin Luther King e Rosa Parks.

“As organizações de defesa dos direitos civis e seus aliados nunca fizeram da anulação das leis contra a mestiçagem uma causa importante”, disse à AFP o historiador Larry Greene.

A igualdade escolar, o direito ao voto e o acesso à moradia foram, ao contrário, as reivindicações prioritárias, afirmou.

As leis contra a miscigenação, empregadas em 30 dos 48 estados que formavam o país na época, deixaram um estigma, disse Lenhardt.

Ainda hoje os casamentos inter-raciais continuam sendo raros no sul dos Estados Unidos. O Alabama só votou pela anulação destas leis no ano 2000.

Com a vitória nas eleições presidenciais americanas de Donald Trump, que atiçou as posturas identitárias durante a campanha, “Loving” ganha dimensão especial.

“Não acredito que os diretores do filme imaginassem que estrearia em um momento em que o país está tão preocupado com o racismo, não só pela eleição, mas também pelos acontecimentos nos bairros, a manutenção da ordem e as prisões em massa”, reforçou Robin Lenhardt.

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