8 de março, comece a desmachicar

amigo me manda uma mensagem inbox: 

Por Lelê Teles para o Portal Geledés 

não mande flores pras mulheres hoje, os tempos estão tão estranhos que muitas delas podem recusar e até te bloquear no face.

“é uma piada”, eu perguntei, “você tá tentando ser engraçado?”

“achei que mandar flores fosse um gesto de generosidade, Lelê”, ele me respondeu, em caixa alta.

e eu devolvi tudo em minúsculas:

“e é, cara, mas não é o único. 

e se você abrir sua mente vai ver que hoje as mulheres não estão a pedir generosidade, elas pedem respeito; que parem de matá-las, de humilhá-las com assédios doentios e de sufocar suas vozes.”

parecendo exaltado, o amigo treplica, ainda em caixa alta. usaria caixa altíssima se houvesse este recurso (fica a dica suckerberg!).

“não concordo com a maior parte das pautas feministas – não pelo conteúdo, mas pela forma – e hoje é um bom dia para eu dizer isso. já que você me provocou vou mandar um textão, rs.”

enviei um emoji de uma ave (angry bird?) batendo na própria testa, em sinal de estupidez, e emendei:

“cara, não se trata de textão ou de testículo, trata-se de respeito. você tá querendo vocalizar sua falta de empatia e sua canhestra tentativa de deslegitimar a pauta das mina, é isso?” 

demora uns 20 minutos e nada. 

talvez ele tenha saído pra cagar, me parecia enfezado.

meia hora depois ele tecla:

“então quer dizer que é assim: os negros nas lutas deles, os pobres nas lutas deles, as mulheres nas lutas delas…”

reenviei o angry bird idiotizado e palavriei:

“pois é, tá vendo só, tá faltando você com a sua luta. mas você ainda não enxergou onde é que você entra. é só sair da sua zona de conforto, man, e pensar assim: eu sou um macho branco, heterossexual, cristão e cisgênero, onde eu entro na luta do feminismo? 

aí você vai ver que já entrou, só que da forma errada. ou você não percebe que está querendo ensinar as mulheres a serem feministas? ou você não percebe que é a atitudes como essa que elas estão a se insurgir? 

esse lance mesmo de mandar flores, e de insistir em mandá-las, é a sua forma de tentar fazer de um dia de luta mais um dia de falsa bajulação. 

mais de 500 mulheres sofrem agressão física por hora no Brasil, man, e quem as agride são os mesmos clientes das floriculturas.”

ele emoticou um joinha e ficou em silêncio. 

uma colega colocou um tigela de jamelão na minha mesa e eu fiquei ali, jamelando e esperando o amigo responder.

alá ele em caixa alta novamente:

“então eu faço o quê no dia 8 de março, finjo que num tá acontecendo nada?”

angry bird pra ele novamente e respostinha desaforada:

“não, man. esquece o dia 8. faça dele apenas um ponta pé inicial. 

comece hoje mesmo tentando desmachificar-se e procure desmachificar os amigos. é uma contribuição enorme que você dá à luta feminista.

você sabe, ninguém nasce macho, torna-se macho. dá pra desmachificar, cara.

agora ele responde em caixa baixa, já demonstrado humildade:

“e como é que se faz isso?”

mandei o emoji de um galo sorrindo:

“assim, cara. como eu estou a fazer contigo agora. veja como é fácil. procure dissuadir você mesmo e, depois, os seus colegas de serem escrotos com as mulheres. 

pare de achar que a razão de viver de uma mulher é um pau. quem vive atrás de pau é cupim. 

se você se tornar, a partir de hoje, um machista a menos, já ajudou pra cacete.”

enviei um coraçãozinho vagabundo e mais num disse.

nem ele.

e você aí, já começou a se desmachificar e a desmachificar os colegas?

você não tem culpa de ter nascido sob o signo do patriarcado, man. desde criança você foi “educado” a se machificar.

mas você já é grandinho e não pode mais dizer que não sabia que estava a ser um escroto.

desmachificar-se é deixar de fazer o que elas não querem que você faça a elas.

simples assim.

palavra da salvação.

#8MBrasil

Reprodução/ Twitter

 

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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