Bailarino brasileiro dança em Paris ao som de Coltrane

A coreógrafa belga Anne Teresa de Keersmaeker, da companhia Rosas, um dos grandes nomes da dança contemporânea, apresenta em Paris “A Love Supreme”, título de uma das músicas mais representativas da história do jazz, de autoria de John Coltrane. Entre os quatro bailarinos em cena, um deles é o brasileiro José Paulo dos Santos.

Por Patricia Moribe, do RFI 

José Paulo dos Santos em “A Love Supreme”. Foto @Anne van Aerschot

Anne Theresa de Keersmaeker e o catalão Salva Sanchis, ex-integrante da Rosas, fizeram uma primeira versão de sucesso de “A Love Supreme” em 2005, para bailarinos e bailarinas, todos de branco. Agora são todos homens, todos vestidos de tons escuros. A nova coreografia também é mais longa, agora com 50 minutos, ao invés dos 33 minutos originais.

A peça começa em silêncio, com os quatro dançarinos entrando um a um, com movimentos ditados por uma melodia invisível. Com a música, eles voltam a interagir, improvisam possuídos pela energia da ode espiritual de John Coltrane.

Há muitas teorias sobre as inspirações de Coltrane para “A Love Supreme”: da igreja afro-americana, passando por ritos indianos, cubanos e até pelo candomblé. O desafio de De Keersmaeker e Sanchis foi de transportar a energia e improvisação em movimentos.

Improvisação e movimentos

“A improvisação é uma questão de equilíbrio entre criatividade e receptividade, entre falar e escutar”, explica Anne Teresa de Keersmaeker. “Alguns movimentos são conscientemente escolhidos, outros chegam aos bailarinos – eles dançam ou ‘são dançados’”, diz a coreógrafa em entrevista divulgada pelo Théâtre de la Ville.

O bailarino brasileiro em cena, José Paulo dos Santos, 29 anos, conta que durante o processo de preparação do espetáculo, os dançarinos tiveram uma imersão de três dias com uma especialista de jazz para destrinchar a música de Coltrane.

“Ela nos disse que o Coltrane se inspirou muito na espiritualidade e por isso a música tem essa energia fenomenal”, conta José Paulo. “A primeira vez que ouvi a música fiquei encantado”, diz. “É também uma peça prática, possível de se dançar em espaços grandes ou pequenos”, acrescenta o dançarino, que divide o palco com Bilal El Had (alternando com Robin Haghi), Jason Respilieux e Thomas Vantuycom. A nova criação roda o mundo há quase um ano.

Araraquara-Bruxelas

José Paulo dos Santos, 29, vai completar dez anos de Europa, uma trajetória de menino pobre na periferia de Araraquara, no interior de São Paulo, a integrante de um dos principais grupos de dança contemporânea do mundo, a Rosas, fundada por De Keersmaeker, em 1983.

Quando é que a dança entrou na sua vida? “Eu me lembro bem desse momento”, diz José Paulo. “Foi pelo sapateado. Um programa de rádio em um carro anunciou uma aula aberta, era um projeto social. Eu me interessei e logo me apaixonei. Eu tinha uns 11, 12 anos”.

Na sequência, José Paulo fez parte de um grupo de meninos sapateadores de periferia, algo inédito no Brasil, ideia de uma pessoa que se tornou sua grande incentivadora, Gilsamara Moura, hoje professora na UFBA.

Depois a dança não saiu mais da vida do bailarino. Logo conseguiu uma bolsa para estudar dança em uma escola particular, passou pelo balé clássico, street dance e pela dança contemporânea. “A dança surgiu do nada e mudou minha vida”.

Sonhos e improvisações

A guinada veio durante uma oficina de um coreógrafo iraniano radicando na Holanda e que veio ministrar um curso no Brasil. Ele percebeu o talento de José Paulo e o colocou na rota para tentar uma vaga na prestigiada escola P.A.R.T.S. (Performing Arts Research and Training Studios), fundada pela coreógrafa belga em 1995, em Bruxelas.

Foi um período difícil também, relembra José Paulo, uma corrida contra o relógio para conseguir patrocínio – conseguido pela prefeitura de Araraquara, que bancou a viagem e os custos da escola – e aprender inglês correndo, um pré-requisito para o curso. “De Araraquara direto para Bruxelas!”, ri José Paulo.

Foram quatro anos de curso, depois alguns anos como bailarino independente e finalmente o paulista foi integrado à Rosas, a prestigiada companhia de Kersmaeker. Tudo isso em dez anos, um sonho concretizado. E agora, quais as ambições? “Muitas”, ri José Paulo. “Ter filhos e trabalhar muito”, cita. “Mas como eu venho de um projeto social, eu também queria fazer algo nesse sentido, para retribuir”, acrescenta o artista, que já tem casamento marcado para 2019.

 

“A Love Supreme” fica em cartaz no Espace Pierre Cardin, em Paris, até 20 de janeiro.

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