Chefia feminina ainda predomina em lares sem cônjuge

Mas já há sinais de mudança nos arranjos familiares

por Flávia Oliveira no O Globo

Foto: Marta Azevedo

Uma frase varreu as redes sociais a partir da publicação de um conjunto de reportagens, “El País” à frente, sobre seis titulares da seleção brasileira na Copa 2018 terem sido criados sem os pais biológicos. Família tradicional brasileira é uma mãe negra sem cônjuge e uma criança cuidada pela avó, resumia a sentença. Faz sentido, porque quatro em cada dez famílias brasileiras são chefiadas por mulheres. Ao todo, são 28,8 milhões de lares, e mulheres negras estão à frente de quase 16 milhões, segundo estudo dos demógrafos Suzana Cavenaghi e José Eustáquio Alves para a Escola Nacional de Seguros.

Os pesquisadores têm uma lista de motivos para explicar o que chamam de “despatriarcalização”. Por oportunidade, fatalidade ou conveniência, “a dominação masculina absoluta não é mais a regra”. O Brasil passa por uma consistente mudança na estrutura de poder familiar: na virada do século, homens respondiam por três em quatro lares (72,6%); em 2015, por 59,5%. No passado, nem se investigava pessoa de referência. Homem em casa era sinônimo de chefia, ainda que a companheira trabalhasse e ganhasse mais.

A liderança feminina é maior nos lares monoparentais, formados por mães e filhos. São 11,5 milhões de famílias, 20% a mais que há uma década e meia. O incremento tem a ver com abandono e pobreza, mas também com emancipação. O aumento da escolaridade ampliou a participação feminina no mercado de trabalho, elevou a renda — mesmo sem equidade de gênero — e reduziu a dependência masculina. Por outro lado, razões demográficas elevaram o número de lares unipessoais: filhos saem de casa, marido morre, viúva passa a viver sozinha.

Mas hoje há mais casais (com e sem filhos) em que a responsabilidade pelo núcleo familiar passou a ser compartilhada ou atribuída à mulher. Nas contas de Suzana e Eustáquio, quase dez milhões de lares são chefiados por mulheres com cônjuges. Não é errado atribuir essa transformação ao efeito nos arranjos familiares da evolução nos costumes. Mulheres ainda são sobrecarregadas por afazeres domésticos e cuidados com pessoas; dedicam quase o dobro do tempo dos homens à casa e aos parentes. Mas nos casais mais jovens ou modernos a divisão de tarefas é crescente.

Um dos grandes apresentadores da TV americana, David Letterman estreou meses atrás “O próximo convidado” (Netflix). Entre os entrevistados da primeira temporada estavam o ex-presidente americano Barack Obama, o rapper Jay-Z e o ator George Clooney. Com todos, Letterman, de 71 anos, tratou de paternidade. Tratou, inclusive, da relação com o filho Harry, 14, e de como se arrependeu por não ter sido pai mais cedo.

Obama contou sobre o dia em que ele e Michelle levaram a filha mais velha, Malia, à Universidade de Harvard. Na volta, emocionado, chorou na frente dos agentes do Serviço Secreto. Clooney, casado com a advogada de direitos humanos Amal, falou sobre a barra de ser pai dos gêmeos Alexander e Ella, prestes a completarem 1 aninho. O marido de Beyoncé disse que foi às lágrimas ao ouvir da filha Blue Ivy uma queixa por falar rispidamente.

Sou de um tempo no jornalismo em que só às mulheres eram apresentadas perguntas sobre filhos e filhas. Homens respondiam sobre profissão, política, economia. Nunca eram provocados com assuntos do lar e da família. Há sinais de mudança no ar. Lá fora e aqui. Tomara sejam duradouros. Presença paterna e responsabilidades domésticas são importantes tanto para a educação dos filhos quanto para a construção da equidade em casa e no trabalho.

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