Resenha: O filho é da mãe?

Dia desses, no exercício de elaboração de um possível título para uma conversa sobre a – e por uma – mulher que é mãe, chegamos ao desenho: histórias que nos entrelaçam: diálogos sobre maternidade e (não)lugares. Antes desse verbo, passamos pelo atravessar, mas ela me disse que algo assim “passa pelo meio e vai”, mas entrelaçar… “nos coloca em situação comunal, nos liga e nos costura enquanto indivíduos que vivem o lugar do ser mulher em nossa sociedade”, mais especificamente, para a conversa que aqui se inicia, o lugar da mulher que é mãe.

Por Samanta Samira Nogueira Rodrigues para o Portal Geledés 

Divulgação

Esse entrelaçar é feito por Priscilla Bezerra em seu livro O filho é da mãe? (Substânsia, 2017), através das tão cotidianas narrativas sobre “os lugares permitidos àquelas que são mães”. Uso aqui algumas falas da autora porque seus períodos dizem de forma direta, para todas e todos nós, o que é preciso, pelo vivido aqui e aí. Se concordamos que lugar carece de trânsito, onde estamos se falamos de acesso à formação e à atuação profissional, por exemplo? Certamente nas questões de entrevistas para emprego ou para o ingresso em programas de pós-graduação, quando é possível que precisemos responder se temos filhos, se somos casadas, como faremos… Onde, então, não estamos?

Tal resposta requer um gesto a mais que o olhar: o observar, como assumido em uma das narrativas presentes em seu livro, o “grave vício” de observar mulheres, por toda a parte. Esse gesto nos leva, entre outras vivências, a nos reconhecer em estranhamentos sobre os “sentimentos cortantes” em relação a quem geramos, um sentir de uma forma diferente da que fomos educadas e educados a olhar. Para quem contar sobre esse olhar para o mundo através da maternidade?

O “exercício da maternidade” – cuidado semanticamente construído em sua escrita para especificar a condição da mulher que é também mãe – é apresentado em O filho é da mãe? através de um entrelaçar de questionamentos sobre situações de opressão tão vividamente sentidas a partir dessa experiência, que mesmo que alguém consiga formular que determinado acontecimento foi pontual ou até mesmo simplista, isso não se sustenta, segundo a autora, pela frequência de movimentos de manutenção da mulher num lugar de subalternidade, posturas que, até mesmo pelo “mito da predestinação feminina”, continuam a reforçar que o filho é da mãe.

Se os tempos mudaram em relação às nossas mães, avós, bisas e tatas? Pensemos “sobre o custo que uma mulher que é mãe assume para si ao não se deixar cercear a partir da experiência da maternidade”. Custos à mãe, à filha, ao filho… tentativas, erros, acertos, que são seus.

Em época de tantos bonitos discursos proferidos vida a dentro, vida a fora, sobre redes de apoio, onde estamos? No exercício de sua maternidade, uma das personagens se encontra no momento social mais solitário que ela conhece. Se nos percebemos nos questionamentos recortados até esse momento, digo que é através do diário desenhado por Priscilla em um dos capítulos de seu livro, com aquelas mulheres tão ali e tão aqui, que nos entrelaçamos. E seguimos.

BARBOSA, Priscilla Bezerra. O filho é da mãe? Fortaleza: Substânsia, 2017. 117 p. Disponível para compra na Editora Selo Novo: https://www.editoraselonovo.com.br/none-27072510.
Resenha por Samanta Samira Nogueira Rodrigues, professora de Literatura Brasileira.


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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