Covid: Após 3 meses do surgimento da ômicron, África segue com imunização baixa

À época da descoberta da mais recente variante do coronavírus foram anunciados esforços para ampliar a vacinação no continente

Passados quase três meses desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a variante ômicron como preocupante, após indícios de surgimento da cepa em países africanos, quase nada mudou em relação à baixa cobertura vacinal contra a Covid-19 no continente. Os índices de imunização se mantiveram, quase que inalterados, mesmo com vários anúncios de doações de vacinas feitos por diversos países.  

Em 26 de novembro, quando a OMS lançou o alerta sobre a ômicron, a África do Sul, por exemplo, tinha 23% da população vacinada com duas doses. Ao final da primeira quinzena de fevereiro, o índice chegou a 28,89%, conforme dados do Our World in Data.

Na Nigéria, que reúne a maior parcela de cidadãos da África – pouco mais de 200 milhões de pessoas -, a cobertura saiu de 1,70% para 2,58%. Para se ter ideia da discrepância, o Brasil, que tem cerca de 213 milhões de habitantes, atingiu 71% de cobertura para as duas aplicações, conforme a plataforma. À época do surgimento da ômicron, o Brasil, inclusive, foi um dos países a se posicionar sobre a doação de vacinas.

O Ministério da Saúde informou que 10 milhões de doses seriam enviadas às nações mais vulneráveis. Entretanto, até 15 de fevereiro, a metade do prometido, 5,1 milhões, foi entregue ao consórcio Covax Facility. A iniciativa, da OMS, trabalha para distribuir vacinas aos países mais pobres e foi responsável pela definição do destino das doses enviadas pelo governo brasileiro.

“Outras 500 mil doses da vacina Sinovac foram doadas ao Paraguai”, disse o Ministério da Saúde em nota. Outro governo que prometeu ajuda foi o da China, com o envio de 1 bilhão de doses ao continente africano. A reportagem questionou a embaixada chinesa no Brasil para saber se a doação foi concretizada, mas não obteve retorno.

A OMS, em nota, informou que o Covax destinou 432 milhões de doses para o continente africano. “224.996.823 dessas doses foram entregues em ou após 26 de novembro de 2021, quando o ômicron foi declarado uma variante preocupante” respondeu a organização.

Na avaliação do doutor em ciência política e professor da UFMG, Dawisson Belém Lopes, a baixa cobertura na África evidencia a inexistência de uma ação coordenada da comunidade internacional. Ele lembra que o continente africano reúne quase 15% da população mundial.

“Há uma dificuldade própria pela forma como o acesso às vacinas se dá. As grandes farmacêuticas não têm esse interesse todo em imunizar, de qualquer jeito e a todo custo, a população global. Há dinâmicas de mercado, ações na bolsa de valores, pessoas que estão lucrando muito com as vacinas e perspectivas de imunização. E essa dinâmica, naturalmente, impacta a forma como as vacinas são distribuídas”, observa.

O docente acredita que a OMS não é capaz de aglutinar forças para coordenar uma ação global que tenha, no horizonte, a ampliação da cobertura vacinal nos países mais pobres.

A OMS depende operacionalmente, orçamentariamente e do mandato e empuxo dos estados nacionais. Se não houver entendimento e articulação dos países membros (da OMS), nada será feito. A Covax Facility tem muita dificuldade em se materializar porque falta empoderamento, adoção de recursos e fatores por parte dos estados”, analisou. 

Baixa cobertura vacinal impede total controle da pandemia 

Com a transmissibilidade acelerada da ômicron até mesmo entre vacinados, a OMS já declarou que a fase aguda da pandemia pode terminar ainda em 2022.

No entanto, na avaliação da vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabella Ballalai, os locais com baixas coberturas vacinais ainda favorecem a circulação do vírus e surgimento de novas variantes, assim como ocorreu com a ômicron. Ela lembra que o problema hoje não é exclusivo da África, mas observado também em países do leste da Europa e América Latina.

“A desigualdade em coberturas vacinais no planeta traz maior risco na possibilidade de novas variantes. Quanto mais o vírus circula entre as pessoas, mais chance terá de se replicar em células humanas e sofrer mutações. A vacinação não impede as infecções, mas reduz muito essa chance”, explica. 

A infectologista reforça que uma ação global é necessária para tentar trazer equidade à imunização contra a Covid-19 e garantir o controle da pandemia. “A pandemia é um problema de todos os países do mundo ao mesmo tempo. Precisamos de soluções para todos, se não vamos correr o risco de reintrodução de novas variantes”, acrescenta. 

Balanço

De acordo com a plataforma Our World in Data, 61,9% da população mundial recebeu, pelo menos, uma aplicação de vacina contra a Covid-19. Desde o início da imunização já foram aplicadas 10,42 bilhões de doses em todo o mundo.

Apenas 10,6% das pessoas que vivem em países de baixa renda foram vacinadas com a primeira dose. 

Cobertura vacinal com duas doses em países africanos 

– África do Sul: 28,89%
– Etiópia: 6,59%
– Nigéria: 2,58%
– Quênia: 12,81% 
– Gana: 14,40% 
– Senegal: 5,86%
– Tanzânia: 2,79%

Fonte: Our World in Data

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